Há uns dias, em Barcelona, quatro encapuzados obrigaram um autocarro com turistas a parar, furaram-lhe um pneu e invadiram-no. Segundo o jornal La Vanguardia, os passageiros pensaram ser um atentado terrorista. Pensaram bem, porque foi disso que se tratou. Não nos confundamos: quando, com fins ideológicos, se usa a violência para gerar o medo entre a população (ou em seus sectores específicos), é perante terrorismo que estamos. Que a ideologia seja religiosa ou política é irrelevante, que se grite allahu akbar ou se escreva “o turismo mata bairros” não faz diferença, que tenha sido o movimento Arran, e não o Daesh, a reivindicar o ataque não altera a natureza deste.
“O turismo de massas mata bairros, destrói o território e condena à miséria a classe trabalhadora”, afirma o Arran, que assim justifica a sua luta “contra um modelo de turismo predador […] que gera postos de trabalho precários, temporários, que gentrifica as cidades e gera lucros como poucos”. É curiosa esta relação causal que o movimento com ligações à extrema-esquerda estabelece. Conforme escrevi num artigo anterior, estamos a falar de um sector cuja geração de riqueza e de empregos está longe de ser pequena e que foi fundamental para a nossa recuperação da crise. E curioso é também que se vilipendie o alojamento local, quando esta forma de hospedagem é precisamente aquela que deixa os lucros mais distribuídos pela população.
Mas mais. A capacidade de gozo do lazer generalizou-se com a conquista, no começo do século XX, do direito a férias pagas para a classe trabalhadora em geral. Foi assim que as famílias de menores rendimentos passaram a poder fazer os seus retiros de Verão. Faziam-nos em campos de férias criados pelas próprias associações de trabalhadores, uma solução de baixo custo, em que não se gastava dinheiro com entretenimento ou eventos sociais, porque o objectivo era descansar. E é a paz e a prosperidade do pós-guerra, com as pessoas a dispor de maior rendimento e de mais tempo livre, que, em grande medida, leva o turismo a entrar no seu apogeu e a massificar-se. Associar turismo à miséria da classe trabalhadora parece-me, pois, estranho. Se se estiver a falar do turismo de massas, mais absurdo é.
Estranho e absurdo, mas não novidade. Já Stendhal escrevia que tivesse tal poder e “seria tirano, faria fechar o Coliseu durante as [suas] estadas em Roma”, porque “assim que outros curiosos chegam ao Coliseu, o prazer do viajante eclipsa-se quase completamente”. E Michelet dizia que amava o povo e odiava a multidão, “sobretudo a multidão barulhenta dos folgazões, que vêm entristecer o mar com a sua alegria, as suas maneiras, as suas ridicularias”. Ou seja, ama-se o povo, mas despreza-se aquilo que o povo é.
O Arran recusou que o seu acto fosse ‘turismofobia’; chamou-lhe “autodefesa contra o ‘bairrocídio’!”. Assim de repente, eu acho que é mais ou menos como não identificar agressões a homossexuais como manifestações de homofobia e atribuí-los ao receio de que a espécie humana se extinga. Reflectindo mais demoradamente sobre o assunto, concluo que ‘turismofobia’ não é palavra a precisar de ser inventada: na maioria dos casos, é só um grande ataque de snobismo.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.
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