Distraído com o Mundial e o desempenho da selecção portuguesa, o país não prestou a atenção devida à ‘Operação Tutti Frutti’, que varreu 20 câmaras municipais de norte a sul, incluindo a câmara da capital.

Os principais suspeitos foram investigados e tiveram os telemóveis sob escuta e o que se sabe até agora é grave, se se comprovar a veracidade das informações.

Em Lisboa, cinco meses antes das eleições autárquicas, o presidente da Câmara, Fernando Medina, em conjunto com deputados e vereadores do PSD, negociou candidatos para as Juntas de Freguesia, numa clara intenção de deixar tudo igual, apresentado candidatos fracos ou desconhecidos nas juntas onde tinham os seus candidatos já estabelecidos.

Objectivo? Adjudicações directas a empresas de membros do PSD e contratações várias de boys de ambos os partidos, com ordenados elevados para a Câmara e Assembleia Municipal de Lisboa, assegurando a Medina a paz necessária, visto ter ganho sem maioria. As contratações vão desde assessores fictícios a ordenados na ordem dos 3.500 euros.

Deixando à justiça o que é da justiça, e aguardando o decurso normal das investigações, é inevitável retirar consequências políticas desde já. Se o país está, infelizmente, habituado a ser delapidado sem escrúpulos, e poucos casos poderão surpreender depois da ‘Operação Marquês’ – onde um ex-primeiro-ministro foi apanhado numa gigantesca teia de actos de corrupção –, mais raro é ser confrontado com eleições viciadas.

Salvaguardando que é precoce em termos de justiça apontar culpados quando as investigações ainda estão a decorrer, a ser verdade que tal acordo aconteceu entre os dois principais partidos, é agora mais perceptível a falta de força anímica e de oposição do PSD ao Governo e o motivo do CDS constituir a única oposição a assinalar na Câmara Municipal de Lisboa.

Um político titular de um cargo como presidente de câmara, Junta de Freguesia ou deputado, que seja apanhado em tais esquemas nocivos em prejuízo da democracia, deveria estar interdito de concorrer ou ser nomeado para cargos públicos.

Se é aceitável numa democracia que um político corrupto possa voltar ao activo depois de cumprir a pena (a título de exemplo, tivemos recentemente o caso de Isaltino Morais em Oeiras), o mesmo não deveria acontecer quando um político comete um crime contra a própria democracia. Viciar eleições para benefício político e económico é um dos crimes máximos na ética política, se é que alguém ainda se recorda do que isto significa neste país.

A um ano e pouco de distância das eleições legislativas, seria boa altura para pensarmos se queremos ser roubados ou governados. Antes de todas as reformas necessárias em áreas vitais para o país, a mais urgente é a reforma política, dada a possibilidade de não termos país para governar se esta não for levada a cabo.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.