Assisti, como toda gente, àquela fantástica manifestação dos taxistas. Há muito tempo que não via uma demonstração de solidariedade como esta, com milhares de pessoas unidas na defesa de uma causa, na circunstância e segundo percebi pelo que um motorista me explicava, a abertura da época de caça. Só não percebi de que animal se tratava porque, antes de terminar a explicação, ele saiu a correr com mais uma dúzia de colegas, atrás dum carro preto.

A coisa entretanto agravou-se porque, segundo me dei conta, foram atacados pela polícia, ajudada por uns tipos duma organização ilegal chamada Uber, que, percebi também, fazia concorrência desleal aos táxis porque tem melhores carros, motoristas mais bem vestidos e simpáticos, e cobra menos. Fiquei confundido. Só depois entendi. É que os taxistas são obrigados a muitas coisas que estes outros não são.

Por exemplo, têm mais formação. Têm visivelmente treino de técnicas de combate, coisa em que os motoristas da Uber são ignorantes – são apreciadores da música de Bach, o mestre da Fuga. E pode dar jeito, pois nunca se sabe quando um táxi é alvo de assalto por meliantes e, nessas alturas, é bom ter presente alguém versado na defesa de passageiros e bagagens. Aliás, depois da manifestação, acredito que muitos bandidos não se queiram, daqui em diante, meter com os taxistas.

Outra área de formação que também me impressionou, nesse dia, foi a capacidade de expressão e vocabulário. Ouvi palavras que nunca tinha ouvido, daquelas que nem no dicionário se encontram. É bom, porque uma língua é assim: se não se usa, morre. E também ficou demonstrado que se há falta de capacidade oral, a física mais do que compensa.

Outro domínio que os taxistas têm que conhecer é a arte da bandeirada. Não é fácil, hoje em dia, enganar um turista e fazê-lo pagar o dobro pela corrida, pois há uma página no Facebook onde se discute como: tem que se saber jogar com a tarifa 3 em vez da 1, conhecer a tarifa C ou fazer pagar suplemento de bagagem quando não se deveria. Os tipos da Uber não sabem nada disto, pois o cliente já sabe quanto vai pagar quando entra no carro. E ser taxista é ser desportista, a ponto de agora se andar com tacos de basebol no carro.

Mais, neste Portugal de afetos defendido pelo nosso Presidente, refiram-se os carinhosos “anda cá que te quero dar um beijinho”, os “chega aqui, que te trato da saúde” ou os “vou aí dar-te um abraço” dos nossos taxistas, ditos alto e bom som, que muitas vezes ouvi ao longo do dia. Tal altruísmo é raro nos dias de hoje, um sinal invulgar de carinho pelo próximo, se bem que este próximo, mal-agradecido, se tenha tentado pôr à distância.

Só achei injusto que alguns taxistas tratem mal o Secretário de Estado do Ambiente, quando a culpa da Uber é, dizia o presidente da Associação, do “monhé”. Fiquei intrigado! Quem é o monhé? Parece que é um tal de Rui Bento, diretor geral da Uber. Bem fizeram os polícias, que desconcertaram os taxistas com uma nova técnica policial, o “diálogo”. Com esta nova técnica, até vão fazer os assaltos aos bancos parecerem sessões plenárias na Assembleia da República.

 

Nota biográfica: Hemp Lastru (n. 1954, em Praga) é sobrinho neto de Franz Kafka. Democrata convicto, ativista e lutador político, é preso várias vezes pela polícia secreta checoslovaca, tendo sido sentenciado em 1985 ao corte de uma orelha sob a acusação de “escutar às portas”. Abandona a política em 1999, deixando Praga para residir em Espanha. Mudou-se para Portugal em 2005 porque “gostaria de viver num país onde os processos são como descrevia o meu tio-avô nos livros.”