A segunda volta da eleição presidencial na Ucrânia redundou numa vitória estrondosa do ator humorista Volodymyr Zelensky face ao atual presidente Petro Poroshenko. Um dos raros casos em que a ficção se tornou realidade, uma vez que Zelensky ganhou protagonismo devido à interpretação televisiva da figura presidencial.

No entanto, apesar do resultado esmagador, não é seguro que esta passagem da ficção para a realidade permita a Zelensky continuar a merecer o aplauso público. De facto, o exercício efetivo da presidência nada tem a ver com o estado de graça logrado à custa das graças ditas na televisão.

Noutro país, a Itália, outro comediante, Beppe Grillo, foi afastado da televisão devido a uma piada que teve como alvos Bettino Craxi e o partido socialista que liderava. Apostou na rede e viu o M5S vencer as legislativas e chegar ao Poder. Na Ucrânia, Zelensky não precisou de abandonar a televisão. Só que a condição de humorista não o dotou de uma varinha mágica, com a agravante de a receita televisiva não servir para curar os males do país real.

Quando tomar posse, o ator vai precisar de muito mais do que humor para chefiar um país pobre e onde a corrupção campeia. Corrupção alimentada por uma oligarquia muito poderosa. Basta lembrar que foi um oligarca que fez de Zelensky uma estrela televisiva.

O novo presidente recebe um país que tem na vizinha Rússia um inimigo de estimação sempre pronto a interferir na vida interna ucraniana. Resquícios da realidade que vigorou na antiga URSS. Daí a questão da Crimeia e do estreito de Kerch. Por isso, a luta separatista no leste da Ucrânia.

Verdade que Zelensky já prometeu relançar o processo de paz com Moscovo, o acordo firmado em Minsk em 2015. Só que também deu conta da sua intenção de iniciar os processos de adesão do país à União Europeia e à NATO. Duas propostas, sobretudo a segunda, que são vistas como uma ameaça por parte de uma Rússia apostada em negar a segunda parte do provérbio: os vizinhos acontecem, mas os amigos escolhem-se.

Aliás, quando na sequência da vitória, Zelensky aconselhou os países pós-soviéticos a olharem para o que tinha acabado de acontecer na Ucrânia, não se tratou de uma medida de boa-vizinhança. Nos EUA, Obama triunfou ancorado no slogan “Yes, we can”. Só que a dependência ucraniana face ao país de Putin faz duvidar de que, como afirmou Zelensky, “tudo é possível». Uma tirada talvez mais do âmbito da ficção do que do plano da realidade.

O ator elevado à condição de presidente sabe que a legitimidade alcançada nas urnas dificilmente se manterá até às legislativas de outono. A bandeira da luta contra a corrupção é mais pesada do que as palavras.

No desconhecimento das ideias presidenciais e da estratégia para a sua implementação, alguns analistas levantam a hipótese de Zelensky convocar eleições antecipadas, pois o Parlamento dispõe de uma posição privilegiada face ao Governo. Caso para dizer que a vida foi mais fácil para o ator do que será para o Presidente. Mesmo que a presidência seja a continuação da representação por outros meios.