Fizemos o impossível desde o 25 de Abril de 1974. Éramos um país fechado e isolado, com uma população ignorante e rural: a taxa de analfabetismo era de 26%, o equivalente a Inglaterra em meados do século XIX; apenas 5% da população tinha formação secundária e apenas 1% tinha formação superior; mais de 70% da população vivia em espaço rural; mais de um milhão de Portugueses emigraram clandestinamente nas décadas de 60 e 70 para países da Europa Ocidental e Central.
Recordo desde muito novo, nas minhas viagens ao estrangeiro, a carga emocional do nosso complexo de inferioridade em relação aos restantes países da Europa e a forma sobranceira como os franceses, espanhóis e ingleses, entre outros, olhavam para nós. Os Portugueses tinham uma total falta de autoestima. A lamentação pelo nosso atraso era um desporto nacional. A língua portuguesa era feia para ser cantada e só se ouvia música anglo-saxónica. As pessoas da minha idade apenas conheciam a Amália Rodrigues e os versos do Fado do Estudante contados por Vasco Santana. Os centros históricos, totalmente degradados, eram frequentados por delinquentes. O chique era viver nos bairros novos na periferia. A abertura de shoppings e de McDonald’s pelo país fora era um acontecimento! Esquecemos a feijoada e o cozido à Portuguesa e transformámos a Pizza Hut num restaurante para famílias. Se pararmos para pensar, encontraremos mil exemplos durante os anos 80 e 90 que ilustram bem comportamentos provincianos, próprios de um povo sem autoestima e que não valoriza a sua cultura e identidade.
A abertura de Portugal ao mundo, em particular pela participação no processo de integração europeia, transformou radicalmente a sociedade portuguesa e alterou a forma como os Portugueses olham para si e como o mundo olha para os Portugueses e para Portugal. As empresas passaram a exportar e a receber investimento estrangeiro. A entrada de multinacionais permitiu o contacto dos nossos trabalhadores com novos métodos de trabalho. A grande maioria das famílias acedeu à classe média. Deu-se a escolarização das novas gerações, em particular da geração X e dos millennials, que hoje começam a assumir os destinos do país e a representar a maioria do mercado de trabalho. Os estudantes Portugueses participaram no programa Erasmus e viajaram pelo mundo. As cidades portuguesas foram reabilitadas, em particular os centros históricos, privilegiando-se os espaços verdes e a qualidade de vida. Construímos infraestruturas de transporte modernas. O turismo passou de uma mera oferta de sol e praia no Algarve para o turismo cultural. Passámos de um país de lixo e piqueniques com fumo de escape à beira da Nacional n.º 1 para um país moderno, limpo e civilizado. Ao contrário do que muitos afirmavam, a globalização não destruiu a cultura portuguesa, pelo contrário, reforçou-a, devolvendo aos Portugueses a sua autoestima.
Tendo vivido recentemente em Espanha, sou uma testemunha da mudança de atitude dos espanhóis em relação a Portugal. De um total desconhecimento e desinteresse, os espanhóis passaram a querer visitar as nossas cidades, conhecer a nossa cultura e provar as nossas iguarias. A vitória do Porto como melhor destino Europeu de 2017; o impacto da Web Summit e a febre das startups em Lisboa; a criatividade de Vhils e de Joana Vasconcelos; o talento de Cristiano Ronaldo; a vitória contra a França na final do Euro 2016; a eleição de António Guterres para secretário-geral das Nações Unidas; os resultados nos testes PISA da OCDE… Parece que uma força sobrenatural está a levantar o ânimo e o ego dos Portugueses e a alimentar a esperança num futuro melhor.
Existe, porém, uma exceção a esta maré de otimismo. Um desígnio nacional por cumprir. Um reduto do nosso complexo de inferioridade pelo qual somos olhados com condescendência. Refiro-me à economia portuguesa. A economia portuguesa ocupa uma posição de destaque no ranking da pior performance das últimas décadas. Crescemos a uma média anual de 0,39% entre 1988 e 2016. É hora de a economia nacional passar a contribuir para a nossa autoestima.