Todos o anos, repete-se o mesmo ciclo, chega junho e com ele os cheiros, os sons e os sabores dos Santos Populares, a procura da sardinha dispara e os preços sobem. Em 2022, o preço médio da sardinha em lota foi de 1,17 euros/kg, mais do dobro face a 2012. Este ano, estima-se um aumento de 7 a 8%. Num arraial, uma sardinha pode custar dois euros por unidade, mas na lota, o pescador recebe entre um e 1,20 euros/kg. A margem multiplica-se entre intermediários, sobretudo na restauração e na distribuição, mas pouco regressa a quem está no mar. A cadeia de valor continua profundamente desequilibrada.

A fragilidade do setor agravou-se com a instabilidade dos próprios recursos. Em 2019 Portugal pescou apenas 9.796 toneladas, um número que soou como um alarme incontornável. Em resposta, Portugal e Espanha responderam com um plano conjunto, guiado pelo princípio do rendimento máximo sustentável e reconhecendo que a recuperação dos stocks não se faz com medidas avulsas, mas com estratégias consistentes e partilhadas. Para 2025, a quota nacional foi fixada em 34.406 toneladas, representando 66,5% do total ibérico, e devolvendo algum alento ao setor: provou-se que quando há visão política e confiança na ciência, é possível conciliar conservação ecológica com viabilidade económica.

Perante a limitação do stock nacional, a indústria conserveira tem recorrido cada vez mais à sardinha importada, sobretudo de Marrocos, maior exportador mundial. Entre 2010 e 2020, estas importações cresceram, em média, 11,6% ao ano em quantidade e 15,9% em valor. No entanto, esta solução aparente esconde um desvio estrutural: apesar de se tratar da mesma espécie, os stocks biológicos são distintos e nem sempre sujeitos ao mesmo nível de monitorização. Importar não resolve a escassez, apenas transfere a pressão para outros ecossistemas. A pegada ecológica do consumo é externalizada, agravada pelo transporte de longa distância e pela ausência de mecanismos eficazes de rastreabilidade. Esta dependência desincentiva o investimento interno e expõe o setor a choques externos.

Em última análise, Portugal perde controlo sobre um bem que é, simultaneamente, económico, ecológico e cultural. Optar por importar para manter a máquina a funcionar, sem enfrentar a fragilidade do stock nacional, é um risco estratégico, não apenas para o setor, mas para o futuro de uma tradição que vive do mar e se celebra à mesa.