As notícias sobre a iminência de uma guerra entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos da América e os seus aliados, pareciam, até há dias, grandemente exageradas. No entanto, muitos questionam se após a madrugada de domingo, no rescaldo do sexto teste nuclear levado a cabo pelo regime de Pyongyang, algo mudou. Fazendo fé na razão, tudo leva a crer que não e que o risco de guerra continua diminuto. Porquê? Por três razões principais.

Primeiro, porque ninguém quer a guerra. Os especialistas no conflito são unânimes em afirmar que o objetivo de curto prazo do regime de Kim Jong-un é a sua própria sobrevivência. Daí a urgência em desenvolver arsenal nuclear, uma vez que só este lhe garante que, para os Estados Unidos, os custos de derrubar o regime são demasiado elevados. Os exemplos do Iraque ou da Líbia são um ensinamento para a Coreia do Norte. Se Kadhafi ou Saddam tivessem disposto de poderio nuclear, muito provavelmente nunca teriam sido invadidos. O risco seria demasiado elevado para o invasor.

É por isso, e não para se preparar para a guerra (que não a levaria a lado nenhum), que a Coreia do Norte insiste em ter capacidade nuclear. Como qualquer líder político e militar sabe que a seguir a um ataque vem um contra-ataque, não é provável que a Coreia do Norte ataque os Estados Unidos ou os seus aliados, a Coreia do Sul e o Japão, sem sofrer pesadas consequências. Pelas mesmas razões, também não é provável que os Estados Unidos lancem um ataque preventivo contra a Coreia do Norte atendendo às elevadíssimas perdas humanas e materiais que uma muito possível retaliação de Kim Jong-un sobre a Coreia do Sul e o Japão originariam de imediato.

Em segundo lugar, a tensão entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos não é inédita. Como se tem recordado amiúde nos últimos dias, em 1994, quando Pyongyang recusou permitir que inspetores da ONU visitassem as suas instalações nucleares, a guerra entre os dois países parecia inevitável, mas prevaleceu a diplomacia. O mais normal é que a presente crise tenha também uma saída diplomática. Não obstante o regime de Kim Jong-un não ter mostrado até aqui grande abertura para a via diplomática, tudo indica que logo que a sua capacidade nuclear se encontre mais estabilizada, se encontrará em posição para negociar, detendo o poder negocial que deseja. Parece ser apenas uma questão de tempo.

Por fim, enquanto tiver apoio da China, não é provável que a Coreia do Norte tenha a necessidade de fazer grandes cedências. E, apesar das declarações dos responsáveis chineses a condenar os testes nucleares norte-coreanos, não parece que a China se encaminhe para cortar relações comerciais com a Coreia do Norte. Segundo os especialistas, tal atitude promoveria um êxodo de refugiados norte-coreanos em direção ao país e facilitaria, no pós-guerra, a vizinha península coreana totalmente dominada pelo sul, com tropas americanas mesmo ali junto à fronteira.

Isto dito, há todavia uma variável neste conflito que pode alterar a lei das probabilidades. Ou melhor, duas. É que de um lado está Kim Jong-un e do outro está Donald Trump. E a capacidade de cada um deles para se guiar apenas (ou preferencialmente) pela razão está longe de se encontrar acima de qualquer suspeita. Se a linguagem propagandística utilizada pelo primeiro não é novidade, as respostas ligeiras e despeitadas do segundo são incomuns num Presidente dos Estados Unidos. E as ameaças recíprocas têm-se sucedido, como se fossem duas crianças no recreio do jardim-escola. Convinha, pois, que aparecesse um adulto e controlasse a situação. E é aqui que António Guterres pode dar o primeiro grande contributo ao mundo, desde que assumiu as suas novas funções. Fazendo o papel do adulto no recreio do jardim-escola.