Fui apanhado de surpresa pela notícia da partida do Sr. D. António Francisco dos Santos. Sabemos que nenhum de nós tem aqui morada permanente e sabemos que Ele chama os melhores nas alturas menos esperadas. Ainda assim, teimamos em ficcionar que os bons estarão sempre aqui, fisicamente aqui. Acreditamos, mas a separação material dói-nos sempre demais, se tivermos em conta a alegria do encontro que se segue. Somos homens de fé rudimentar.
O Sr. D. António Francisco, como toda a gente o chamava, e gostava de ser chamado, foi uma brisa de profunda bondade que soprou nas vidas de quem teve a benção de o conhecer.
Poucos se lembrarão de grandes momentos mediáticos deste grande Bispo; a televisão, os holofotes, os grandes palcos, não eram algo que este Homem procurasse. Menos ainda, ou nenhuns, se lembrarão de polémicas ou fracturas que este Homem tivesse protagonizado. Ninguém se lembrará de o ver iludido com os pequenos protagonismos, com a espuma dos dias. Era o oposto disto tudo.
O Sr. D. António Francisco foi um Homem de enorme sabedoria e infinita sensibilidade. Quando penso em Homens capazes de personificar a vivência das três virtudes teologais, um dos primeiros, entre os poucos que me ocorrem, foi sempre o nosso Bispo. Vivia e transmitia a Fé com uma naturalidade que impressionava, não fazia proclamações, semeava pistas que nos abriam o coração e aqueciam a alma. Era testemunho notável de Esperança, a serenidade que punha em cada palavra, o olhar terno que dedicava a cada um de nós, a abertura do seu pensamento que nos conduzia sempre ao Pai com uma naturalidade espantosa – um Dom ao alcance de muito poucos. Por fim, a Caridade, a mais importante das três virtudes, a imersão de cada gesto, de cada acto, de cada palavra, no amor mais profundo e desinteressado pelo próximo, como transparecia em cada dia que o Sr. D. António Francisco nos dedicou com radicalidade.
Fomos conversando regularmente ao longo dos últimos dez anos. Procurei-o, enquanto Deputado eleito pelo Distrito de Aveiro, por entender que a Igreja conhece o Povo como nenhuma outra instituição e sabe antes dos demais dos anseios, necessidades e também realizações dos Seus discípulos. Não escondo que, para além do servidor público, também ali me encontrava como filho da Casa e membro do rebanho. A abertura do então Bispo de Aveiro foi extraordinária, tal como viria a ser enquanto Bispo do Porto, cuja Diocese compreende uma parte importante do norte do Distrito de Aveiro. O conhecimento profundo de ambas as Dioceses, a vocação de serviço, a preocupação com os mais desfavorecidos aos diferentes níveis, o realismo da análise e o encorajamento à acção, revelavam um Homem raro, de uma sensibilidade profunda e de uma dedicação sem descanso.
Nunca estava demasiadamente ocupado, tinha sempre um tempo sereno para dedicar a quem o procurava, uma palavra de conforto, um conselho de profunda sabedoria e iluminada fé para acompanhar o seu sorriso franco e olhar terno. Os cartões que me endereçava com doses iguais de amizade e exigência, estão guardados entre os meus tesouros mais preciosos, e a eles regresso com muitíssima frequência. Enquanto político, juro que não sei se foi um Homem mais à direita ou mais à esquerda; era inequívocamente um homem de Deus incansavelmente ao serviço dos homens. Na sua Missão, as ideologias nunca se sobrepuseram à Fé.
O Sr. D. António Francisco ficará na história de Aveiro e do Porto pelas melhores razões. Ficará no coração de todos quantos foram tocados pela sua acção, pela sua pura bondade. Ficará no registo do aprofundamento cultural que deixa enquanto Homem erudito e de profundo pensamento. Ficará entre os grandes da Igreja enquanto Servo e Pastor dedicado e abnegado. Estará junto do Pai com cada um de nós no seu coração amigo, porque enquanto cá esteve foi testemunho vivo de que Isto não acaba aqui.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.