Ao descermos a Av. da Liberdade no mês de maio de 2021, após o segundo confinamento obrigatório, é impossível não sermos assolados por um sentimento de estranheza. Um sentimento que nos traz à memória o movimento incessante do corrupio de turistas de todas as nacionalidades que inundavam as lojas do coração da cidade mais cool da Europa.

A Av. da Liberdade é a notável embaixadora do comércio de luxo em Lisboa, onde marcas como Versace, Emporio Armani, Prada, Louis Vuitton e tantos outros nomes internacionais ocupam as cerca de 100 lojas localizadas nesta artéria da cidade.

Depois de um ano de pandemia, com o 2º confinamento a ser levantado no dia 17 de março de 2021, a Savills Portugal percorreu a Av. da Liberdade para perceber que lojas abriram portas e quais os efeitos visíveis da crise que atingiu duramente o segmento de retalho.

Foi possível testemunhar, em primeira mão, a tão falada resiliência do mercado português. Das cerca de 100 lojas existentes na Av. da Liberdade, 70 abriram as suas portas ao público, ainda que algumas delas recorram agora a outros canais para alcançar os seus públicos.

Ao fazermos esta observação, não podemos negligenciar o facto de a Av. da Liberdade ser direcionada para um target de consumidores restrito com características e hábitos de consumo particulares, que não se podem generalizar ao restante comércio.

Com a quebra de mais de 80% no número de turistas, turistas estes que exercem um peso muito significativo no volume de vendas neste eixo comercial, facilmente percebemos que a chave para a resiliência reside, essencialmente, na diversidade dos canais de vendas destas marcas e numa capacidade de rápida adaptação ao contexto de crise, nomeadamente através de uma aposta forte do comércio online, suportada, obviamente, por uma maior capacidade financeira do seu público-alvo.

Sem a azáfama de turistas de outros tempos, a Av. da Liberdade ergue-se num pós-pandemia de portas abertas, com algumas lojas em processo de obras e melhorias, com telas que prometem novas aberturas nos próximos meses, continuando a ocupar o seu lugar como destino europeu de lojas de luxo.

Mas será esta a realidade que se vive noutras artérias comerciais do centro da cidade de Lisboa?

Seguramente que não. Continuando a descer pela Praça dos Restauradores e entrando no Rossio, respira-se um ambiente diferente e um cenário que vai alternando entre lojas pequenas de comércio tradicional, que lutam pela sua sobrevivência, lojas de mass-market, onde se regista um movimento um pouco mais animador, e outras que não conseguiram sair vencedoras desta crise e foram obrigadas a fechar.

No período pré-pandemia, a oferta de lojas no centro histórico de Lisboa era praticamente inexistente, com a lista de espera por parte da procura a crescer dia após a dia, assente na elevada atratividade da cidade de Lisboa como destino de qualidade para viver, trabalhar e visitar.

O encerramento de lojas nesta zona da cidade vem criar, agora, novas oportunidades para marcas que pretendam entrar no mercado nacional ou para aquelas que pretendam relocalizar-se ou expandir o seu negócio.

A Rua Augusta, rua comercial com maior volume de tráfego pedonal da cidade de Lisboa, é um dos destinos mais apetecíveis e procurados por marcas de mass-market. Fruto da crise, vê agora a oportunidade de poder renovar alguma da sua oferta comercial e encontrar na adversidade uma oportunidade de modernização. Das 70 lojas observadas nesta artéria comercial, 10, que se dedicavam maioritariamente à restauração, fecharam portas no último ano.

Lado a lado com a Rua Augusta, entrámos na Rua do Ouro. Com uma identidade comercial menos marcada e caracterizada pela presença de agências bancárias, hotéis, restauração e lojas de comércio tradicional, esta rua é agora pintada por várias telas de obra e placas de encerramento temporário ou definitivo. Das 40 lojas observadas, 13 encerraram portas, tendo exercido atividade como pastelarias ou noutros ramos comerciais.

Efetivamente, o setor da restauração foi um dos mais sacrificados durante o período pandémico, em particular a restauração mais tradicional, pouco ou nada familiarizada com os novos canais de venda e raramente preparada para se adaptar rapidamente a estas mudanças. Apesar do takeaway ou do Home Delivery assegurado pelas conhecidas Uber Eats ou Glovo, que fazem já parte da realidade de muitos estabelecimentos e da sua aposta no meio digital, o encerramento de tantos outros estabelecimentos espalhados por toda a cidade de Lisboa prova que existe ainda um caminho a percorrer pelo comércio mais tradicional, em nome da sua própria sobrevivência.

Na reta final, subimos à Rua do Carmo e à Rua Garrett, com mais de 90% das lojas abertas e em total funcionamento. A fila de tuk-tuks, característica na Rua Garrett, volta a formar-se e a esplanada do histórico café A Brasileira voltou a ter vida. Ainda longe do movimento turístico pré-pandemia, já se ouvem vários dialetos por estas ruas que ilustram a vontade dos turistas em visitarem Lisboa, mesmo em tempos de recuperação pandémica.

Contudo, é importante frisar que neste regresso ao “novo normal” é notória a influência do comércio online. Apesar de nas artérias comerciais analisadas o balanço, em termos de aberturas de portas, ser positivo, não podemos afirmar que isso se reflita nos volumes de vendas em lojas físicas das marcas.

Mais ainda, o sucesso do comércio online representa, para algumas marcas, uma porta de saída da presença de lojas física e uma oportunidade de reformularem a sua estratégia de vendas, concentrando-a no canal digital. Uma tendência que se está a verificar em algumas cadeias de retalho ligadas ao setor da beleza e moda e à qual Portugal não deverá ficar indiferente.

No rescaldo de mais de um ano de pandemia e com o fator incerteza ainda muito presente, o mercado de retalho será, com toda a certeza, o setor que mais lições deverá retirar da pandemia de Covid-19. O chavão “nada será como dantes” nunca fez tanto sentido e para o retalho anteveem-se tempos de uma mudança forçosa rumo à digitalização do setor, à experiência diferenciadora oferecida ao consumidor e ao redesign de layout dos espaços físicos.

Não obstante o sucesso do comércio online, é importante não esquecermos que somos um povo de costumes e tradições. Culturalmente, o consumidor português gosta de frequentar centros comerciais e/ou passear pelas ruas para fazer as suas compras. Hábitos que a crise não irá conseguir desenraizar…