Lá pelo meio do “Padrinho III”, quando Michael Corleone se desloca à Sicília para ver o seu filho cantar e reviver os tempos do primeiro casamento, ouve-se: “política e crime é tudo a mesma coisa”.

Eu não tenho esta visão tão negra da política, continuo a acreditar que a grande maioria dos políticos trabalha para todos os dias melhorar a vida das pessoas e essa é a sua função essencial. Contudo, sabemos que em todas as corporações há ovelhas negras e más práticas e a política não foge a essa regra.

Durante as duas últimas semanas, os portugueses têm sido bombardeados com casos que provocaram legítima indignação. A senhora que trabalhou dois anos na TAP, seguiu para outra empresa pública e recebeu 500 mil euros de indemnização pagos com o nosso dinheiro, seguindo para as Finanças onde caiu.

Depois, uma secretária de Estado da Agricultura envolta em várias polémicas e processos do marido, ex-presidente da câmara de Vinhais, não percebeu que devia ter recusado o convite para o Governo e, por último, outra governante sai do Executivo directamente para uma empresa à qual concedeu 30 milhões de apoios. Tudo isto é uma vergonha que só contribui para a falência da dita ética republicana.

Mas também tivemos outra prova do que eu chamo o caldo de lama dos interesses do bloco central. O edil de Espinho, do PS, Miguel Reis, foi detido e recaem suspeitas sobre o ex-presidente, Joaquim Pinto Moreira, do PSD, alegadamente de “luvas” e corrupção.

Ora, todos sabemos há décadas que existe uma série de empresários que financiam campanhas políticas à esquerda e à direita e, assim, PS e PSD são sempre salpicados por escândalos quando toca aos seus autarcas. Porém, com isso, são os alicerces da democracia e a confiança na classe política que saem apodrecidos.

Todos os leitores sabem que o centro racional e moderado se tem esboroado por todo o mundo e, com essa queda, se têm imposto as forças extremistas (de esquerda e de direita) e um populismo que se alimenta de escândalos e notícias sobre corrupção.

As democracias internacionais estão sem antídoto contra este dado que assusta a maior parte das populações, mas o problema é que os vícios e vírus desta podridão só têm origem num sistema que muitas vezes não consegue punir – e muitas vezes arrasta julgamentos até à prescrição – as ditas ovelhas negras e elites que gravitam perto de círculos do poder.

Na abertura do ano judicial, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que será “lastimável” se a Justiça continuar afastada da realidade social.

Queria reforçar que muitas vezes um dos pilares mais importantes do Estado falha no resultado final e não pune devidamente aqueles que a comunidade, justificadamente, exige que sejam punidos e arrasta demasiados processos, sobretudo os que envolvem os poderosos. Porque se na política a desconfiança e a desilusão são enormes, também na Justiça a situação não é melhor.

Ora, sem uma política sólida e transparente, aliada a uma Justiça inócua e ineficaz, traçado está o destino da erosão do sistema democrático. Julgo que ninguém o deseja.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.