Li com atenção uma recente entrevista dada a um semanário por Carlos Guimarães Dias, fundador e ex-presidente da Iniciativa Liberal (IL) – precisamente uma força política que se encontra em fase dum processo eleitoral interno e a qual, dada a sua extensão e conteúdo – me mereceu algumas reflexões analíticas.
Guimarães Dias revelou-se, como seria de esperar, um liberal em sentido puro admitindo, contudo, que no seio do liberalismo (e logo na IL) coexistem diversas sensibilidades com focos diferentes, mas uma real capacidade de convergência. É, no entanto, sabido que a trave mestra dos liberais em matéria económica assenta no objectivo dum menor peso da intervenção do Estado na vida económica e social, com especial enfoque no alívio firme da carga fiscal e na diminuição significativa de custos do contexto, o que implicaria melhores condições para a atracção do investimento, para o aumento da produtividade média das empresas e logo para uma maior criação de riqueza, a qual por sua vez geraria a prazo uma maior remuneração média dos trabalhadores em geral e logo melhor nível de vida para as populações.
Este é um pressuposto, aparentemente simples de entender, mas admito como algo problemático no âmbito duma economia como a nossa, fortemente endividada, com uma efetiva falta de escala a nível empresarial (logicamente associada a baixa produtividade), com um peso elevado das desigualdades sociais e mesmo dos níveis de pobreza. Trata-se pois duma convicção a prazo da IL que juntamente com medidas dirigidas a outras diversas áreas da vida política, económica e social têm que ser integradas numa mensagem que naturalmente a IL pretende que seja perceptível e eficaz.
Curioso é, desde já, relevar que para Guimarães Dias essa tal mensagem passaria mais facilmente se o grau de literacia económica e financeira da população portuguesa fosse maior, no sentido de melhor saber avaliar a prazo o binómio proveitos-custos das ideias e medidas a propor. É daí o foco da IL na captação imediata de eleitorado mais qualificado e também mais jovem. Será tal suficiente, eleitoralmente falando?
Por sua vez, e em termos do atual quadro político nacional, existe, a meu ver, uma atitude de algum recato da IL na sua – previsivelmente necessária- intervenção coordenada com o PSD, reflectindo com certeza a crença em ideologias diferenciadas e, obviamente, o actual peso eleitoral.
Mas, como Guimarães Dias perspectivou, se se visa no futuro uma parceria governativa com o PSD – que mitigue o efeito perturbador do Chega – haverá desde já, a meu ver, que equacionar algumas convergências em ideias programáticas e medidas concretas, de forma que tal se vá tornando perceptível pelo eleitorado potencial. E aqui parece-me mais “eficaz” uma predominância dos “liberais sociais” no seio da IL.
Um dos outros aspectos relevantes da entrevista de Carlos Guimarães Dias sobre os fundamentos do liberalismo circunscreveu-se à muito divulgada liberdade de escolha, dando como exemplos o caso da saúde e da educação. São ideias atractivas, logicamente consentâneas com a liberdade individual – que têm, contudo, que ser financiadas adequadamente- mas cuja implementação não se afigura fácil. Com efeito trata-se dum salto em frente associado ao risco inicial que sempre advirá duma menor presença do Estado, designadamente junto das populações mais desfavorecidas.
Durante a citada entrevista, Carlos Guimarães Dias não se referiu expressamente a um aspecto fulcral de grande sensibilidade social que é o sistema nacional de pensões de reforma, para o qual os liberais defendem a mudança do sistema atual de repartição para um sistema de capitalização individual. Mudança esta que obrigará, necessariamente, ao planeamento de fases de transição e sua divulgação concreta, até porque de imediato criaria um enorme buraco financeiro!
Numa palavra, ainda faltam muitos esclarecimentos quanto à execução dum projecto liberal na sociedade portuguesa, com a convicção de que possa ser um projecto alternativo ou a caminho de o ser. Alternativo sim – não, não se trata de “queques” mais ou menos barulhentos! – mas “arriscado”, sobretudo num país desigual com tão elevada divida pública.
Resta, no entanto, uma presunção de que à IL caberá num futuro próximo mais um papel de “muleta” do PSD – contra o “hegemónico” PS –, com o qual terá de articular linhas de acção que certamente implicarão, no curto prazo, alterações ao purismo do seu projecto político.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.