Era esperado. O parlamento britânico derrota a primeira-ministra Theresa May que conduziu com pouca habilidade um processo condenado desde o início. Não fosse tão trágico para todos e dir-se-ia apenas que era o fim anunciado. Desde a realização do referendo – e apesar de muitos céticos – que se sentia que começava a erguer-se um muro que, mais ou mais cedo, separaria a Grã-Bretanha do continente europeu. Muro esse que, psicologicamente, afasta vidas e que é mais alto que qualquer edificação.

A questão da saída, sendo do foro britânico, afeta toda a Europa e, por arrasto, a economia mundial. Ao nível humano deixa em incerteza milhões de emigrantes, entre os quais quase meio milhão de portugueses que ali contribuem para a economia, mas igualmente constroem a sua vida profissional, empresarial, científica e pessoal. Este episódio vem agudizar a fragilidade europeia, atolada em sucessivas vagas de crises de natureza variada, embalada por um crescente ceticismo de matriz populista, que põe em causa projetos coletivos de afirmação de um bloco económico contra os gigantes Rússia, China e Estados Unidos.

O chumbo do projeto de acordo entre o Reino Unido e a União Europeia, sob o pretexto da problemática fronteira da Irlanda, é em muito influenciado por ambições partidárias e pessoais e por um sentimento de posse que os britânicos nunca deixaram de ter sobre o seu futuro.

As questões que se colocam a partir de agora partem em todas as direções. Mantém-se o prazo para o Brexit? As eleições europeias vão ainda abranger a eleição de deputados que passado poucos meses abandonam o Parlamento? Em que situação ficam os emigrantes e os britânicos pela Europa fora? Que regime de taxas alfandegárias se vai aplicar às relações comerciais? O Reino Unido passa à condição de Estado terceiro ou fica com um estatuto ainda mais gravoso?

Não importa encontrar culpados para esta situação. A história julgará os erros cometidos de destruição de um projeto notável de conjugação de vontades, culturas e determinações distintas que levaram à edificação da União Europeia.

Vários Estados-membros têm vacilado no apoio à consolidação europeia. E a responsabilidade não pode ser imputada às instituições europeias, mas antes à volatilidade do poder nacional, que prefere ser fraco e pequeno do que transigente e coletivo. Em que o regresso de fronteiras físicas e políticas, pessoais e profissionais, a criação de oportunidades e a construção de novos horizontes sofrem uma dolorosa machadada por uma decisão egoísta, de contornos e consequências impensados que exigem a partir de agora uma acrescida cautela.

O dia em que a saída do Reino Unido da União Europeia se concretizar, o projeto comum que levou décadas a montar, onde dedicados funcionários e políticos competentes removeram todos os obstáculos para criar um projeto de futuro, de cruzamento de cultura, de movimentos espontâneos de cidadãos em busca de saudáveis ambições, é um momento de derrota.

Esta derrota não precisou de construções, dado que a situação se transformou numa gigantesca muralha que isola os dois lados, e em lado nenhum se vive sozinho. Não foram necessárias sanções económicas, punições e condenações recíprocas. Bastou muita demagogia, pouca clarividência e nenhum sentido de Estado. Uma parte da história acaba se a decisão se confirmar. Sem apelo e com muito agravo.