O caldo entornou. A Comissão Europeia chumbou pela primeira vez um orçamento de um Estado membro, e logo de um dos seus mais relevantes e antigos parceiros, a Itália. Na sequência da decisão, o primeiro-ministro Luigi Di Maio – que lidera um executivo de base eurocética – acentuou o braço de ferro e disse que esta é também a primeira vez que o orçamento italiano é escrito em Roma e não em Bruxelas. A troca de palavras não deverá recuar e os mercados já começaram a descontar momentos de maior volatilidade nos próximos tempos.

Na base da disputa está um orçamento de reversões

O cenário estava já nas expectativas de alguns analistas e confirmou-se faz cerca de duas semanas, quando o governo Italiano apresentou formalmente as suas expectativas económicas e projeções fiscais para o próximo ano, que incluem uma revisão em alta dos objetivos de consolidação orçamental para o triénio de 2019 a 2021 de 2,4% (6,6 pontos acima do anterior). Esta decisão unilateral por parte do governo transalpino, que inclui aumentos da despesa, reversões de reformas estruturais e redução de impostos, não soará familiar?

Ora, a acrescer a isto soma-se a aparente inflexibilidade do executivo em procurar alternativas, ou seja, o orçamento é este e não há plano B. Recorde-se que em Itália existe um uma larga abertura para se lançar um referendo de saída da União Europeia com boas hipóteses de vencer – atualmente existe um suporte maioritário de partidos eurocépticos – e isto traz ao de cima algumas preocupações para os investidores, mas não só!

Apesar da acalmia, podem ressurgir velhos fantasmas políticos

À frente das preocupações encontra-se o receio da deterioração das relações entre a Itália e a Comissão Europeia, que no final possa desencadear uma nova crise sistémica na Europa, sobretudo se o debate sobre uma saída do país da União Europeia voltar a surgir na agenda política, como consequência de um prolongado braço de ferro entre Roma e Bruxelas. Isto teria consequências potencialmente devastadoras para a União, mais que o próprio Brexit. Uma Uscitália, pelo facto de estar dentro da moeda única, pode criar verdadeiras disrupções relacionadas com o risco de redenominação do euro, factor que nunca esteve em causa na situação do Reino Unido.

Isto significa que ou a Comissão Europeia volta atrás e utiliza este argumento para tornar mais flexível os critérios de ajustamento – que parece ser difícil de executar nesta altura – ou teremos uma série de tomadas de posição por parte da Comissão Europeia durante os próximos tempos. Por fim, existe ainda (como sempre no euro) a agenda política, cuja influência é decisiva e sustenta o cenário de inflexibilidade por parte da Comissão.

No próximo ano teremos eleições para o Parlamento Europeu, e dificilmente existirá margem política para mais concessões que possam colocar em causa a já algo fragilizada posição da agenda para maior integração da zona euro, sobretudo para governos nacionais que detêm claramente uma agenda protecionista.

Pressupostos demasiado otimistas podem ciar maior necessidade de ir ao mercado

Acresce que este objetivo do défice assenta em previsões para o crescimento económico que podem ser consideradas bastante otimistas (1,5% para 2019, face a valores de consenso dos analistas que apontam para médias entre 1% e 1,2%), e exigir necessidades de financiamento muito mais elevadas que o inicialmente previsto em mercado.

Com a pré-anunciada retirada do programa de estímulos do Banco Central Europeu (QE) esta situação pode criar uma reapreciação do nível de risco das emissões de dívida soberana Italianas, que espolete revisões em baixa da notação de rating de risco por parte das agências internacionais, com os devidos impactos nos restantes países da zona euro e sobretudo nos países da periferia.

Agências de ‘rating’ terão palavra relevante na agenda imediata

A troca de palavras mais duras entre a Comissão Europeia e o governo italiano vieram em má altura, num mês marcado por revisões importantes por parte das agências internacionais. A Moodys já reviu em baixa a notação de Baa2 para Baa3 (apenas um nível acima das notações especulativas), mas manteve uma perspetiva futura de ‘estável’ – a mais relevante das quais será a desta sexta-feira, da Standard & Poors.

A revisão em baixa para uma notação já esperada, mas se a agência indiciar uma nova revisão em baixa na sua perspetiva, isso poderá desencadear um alargamento perigoso nos prémios de risco da Itália. Aliás, estas preocupações ganham mais corpo quando os comentários das agências apontam exatamente no sentido da necessidade de se retomar o esforço de consolidação das contas públicas e das reformas estruturais.

‘Bottom’s up’: a revolta dos eleitores continuará a agitar a agenda do euro

As tensões entre o governo italiano e a Comissão Europeia não vão dissipar-se tão cedo, e o braço de ferro pode acabar por resultar na abertura de um procedimento por défices excessivos ao gigante transalpino. Depois da rejeição do orçamento, os riscos são elevados. Por outro lado, se a resposta italiana for demasiado assente numa retórica política mais agressiva contra as instituições europeias, explorando o fenómeno populista eurocéptico – uma espécie de rebelião dos eleitores contra o sistema –, então as consequências para o euro e o impacto nos mercados poderão ser mais duros.

Será obviamente de esperar que o atual executivo italiano mantenha o braço de ferro, mas também se espera que evite esta escalada no que diz respeito à retórica do euroceticismo. Mas este é um equilíbrio muito delicado de gerir, e o mercado fará sem dúvida refletir isto nos preços dos ativos, sobretudo com maior volatilidade.