A passada sexta-feira, dia 9 de Junho, foi um dia grande para a Democracia. O procurador especial Jack Smith, responsável pela investigação a Donald Trump por suspeitas de posse ilícita de documentos classificados, acusou o ex-presidente americano da prática de trinta e sete crimes, alguns deles de particular gravidade como a retenção ilícita de documentos relativos à defesa nacional, obstrução de justiça e falsas declarações. Trump, cioso de ser marcante, conseguiu, assim, a vergonhosa proeza de se tornar o primeiro presidente norte-americano alvo de acusações por crimes federais.

No mesmo dia, Boris Johnson renunciou ao seu mandato na Câmara dos Comuns, ao tomar conhecimento de que o Privileges Committee do parlamento britânico, que investigou as suspeitas de que Jonhson faltou à verdade em declarações proferidas em sessões parlamentares acerca de eventos sociais em que participou durante os confinamentos, se prepara para confirmar que Jonhson efectivamente mentiu, circunstância que certamente forçaria a sua demissão da chefia do governo, não fosse o facto de ter sido entretanto defenestrado no número 10 de Downing Street pelo seu próprio partido.

O populismo, nas suas declinações anglo-saxónicas, sofreu um duro revés. As hipóteses de Trump ser reeleito tornaram-se mais escassas e a carreira política de Boris Jonhson pode ter ficado irremediavelmente comprometida, apesar das promessas de um “hasta la vista, baby!”. Já as instituições democráticas revelaram a sua robustez, sancionando os abusos e desmandos do poder executivo que, nas mãos destas duas tão peculiares quanto nefastas personagens, desrespeitaram os seus cargos e o prestígio das demais instituições do Estado.

O regular funcionamento dos poderes judicial e legislativo, na sua função de fiscalização dos actos de quem governa, repuseram a normalidade institucional, devolvendo credibilidade ao sistema democrático, ao denunciarem as suas más práticas.

E, se dúvidas persistissem quanto à sua inaptidão para os cargos que exerceram, as reacções de Trump e de Johnson ao escrutínio democrático dissipam-nas.

Fiel a si mesmo, o ex-presidente norte-americano acusou o actual inquilino da Casa Branca de promover a acusação e, com a subtileza paquidérmica que o define, insultou o procurador especial, classificando-o de “tresloucado psicopata”. Johnson, por seu turno, esquecendo a polidez britânica, responsabiliza todos, menos a si mesmo, pondo em causa a probidade dos membros do Comité e atingindo inclusivamente Sue Gray, autora do relatório que o denunciou, dando origem ao processo parlamentar, de cujas sanções procurou furtar-se ao demitir-se antecipadamente.

As instituições cumpriram, assim, o seu papel em defesa da normalidade democrática. Bom seria que os cidadãos, que depositaram a sua confiança em Trump e Johnson, extraíssem consequências também, pois foi através do instituto democrático do voto que ambos chegaram ao poder. Toda a liberdade comporta responsabilidade e os cidadãos, que no uso da sua liberdade de escolha os elegeram, deverão assumir a correspondente responsabilidade, não repetindo a temeridade de votarem neles ou em candidatos do mesmo jaez.

O autor escreve de acordo com antiga ortografia.