Quem não se lembra de a máquina fiscal perseguir, com multas e penhoras, contribuintes portugueses porque o imposto de circulação automóvel de 2000 e troca o passo estava em falta? Foram milhares deles e por vários períodos. Carros na sucata a pagar imposto desenfreadamente ou contribuintes a pagar duas e três vezes o que a máquina tributária exigia. Ou ainda, noutro nível, as manigâncias da máquina fiscal para apanhar a casa de família de cidadãos com dívidas ao fisco de poucas centenas de euros?!

Por essa altura não me lembro de nenhum episódio em que o sistema informático tivesse crashado. Erros que beneficiavam o “infractor” eram inexistentes, dando pujança e prestígio ao governo de Passos Coelho que exibia, como troféu, junto das instâncias europeias, os sucessos da caça ao imposto de gente pobre e, em muitos casos, apanhada nas malhas da crise económica, estimulada pelo desvario ideológico de uma tal Maria Luís Albuquerque ou Vítor Gaspar. O sistema informático, que geria impostos em Portugal, parecia um castelo impenetrável que as famílias portuguesas tinham medo de colocar em causa. Não havia “mão humana”, era tudo digital e automático, no estrito cumprimento da lei, evitando cunhas e arranjinhos. Ouvia-se tudo isto, com suprema atitude moralista de Passos Coelho. Por essa altura, Paulo Núncio estava concentradíssimo no colossal aumento de impostos e na ofegante atitude de os recolher, sem dó nem piedade e por indicação suprema, e assumida, da direita obcecada pela austeridade. Nunca ninguém ouviu falar em problema informáticos, de tal forma que nem director de sistemas de informação foi preciso recrutar.

Não quero ser desmancha-prazeres, mas estou intrigado com um erro informático tão bem orientado: sabia para onde ia, para o Panamá, e sabia de onde vinha, do BES. Mas a orientação do erro contrasta com a desorientação do secretário de Estado: depois de três tentativas, e do mesmo número de versões, para explicar como se esfumaram do país 10.000 milhões de euros, Núncio lá foi assumindo as responsabilidades, depois de tentar atirá-las para o director da autoridade tributária. O sistema pode não ter crashado deliberadamente, mas Paulo Núncio mentiu de propósito e, com isso, levantou uma montanha de dúvidas. Além de ter colocado em causa o funcionamento do sistema fiscal durante o seu mandato, acabou por desmantelar o princípio da igualdade. Perder o rasto de 10.000 milhões de euros, ignorando a causa da saída do país, os seus ordenantes e respectivos beneficiários, encerra vários níveis de responsabilidade que devem ser clarificados.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.