Antes de assumir, voluntária e conscientemente, um período de quarentena, o Presidente da República resolveu dar conta do seu estado de espírito sobre a situação política nacional. O momento não poderia ser mais indicado, pois Marcelo Rebelo de Sousa vai entrar no último ano do seu mandato atual em Belém.

Como tal, está a um semestre do momento em que, por força do ponto 1 do artigo 172.º, deixará de poder dissolver a Assembleia da República. Por isso, o Presidente da República fez questão de mostrar a sua preocupação pela circunstância de o Governo de António Costa parecer estar num amorfo fim de ciclo e não revelar o dinamismo consentâneo com um início de mandato.

O primeiro-ministro, no seu otimismo irritante e convencido, considerou que as palavras presidenciais não se dirigiam ao Governo. Na sua ótica, a oposição era a destinatária natural, uma vez que era ela que estava a dificultar a governação do país.

Uma oposição que não se limitava aos partidos a que António Costa se refere como a direita. Englobava, igualmente, os antigos parceiros da geringonça. Uns ingratos que se cansaram do privilégio que lhes tinha concedido para empurrarem a carripana. Além disso, até um antigo compagnon de route, José Sócrates, decidira juntar-se às forças de bloqueio. Para descansar as meninges tão ocupadas com o processo Marquês, tinha resolvido contar, com pormenores muito objetivos, o processo relativo à construção do novo aeroporto. Construção é uma forma de dizer. A intervenção socrática não deve ter deixado pedra sobre pedra sobre a localização no Montijo.

Face a este cenário, só mesmo o otimismo do primeiro-ministro lhe permite continuar a ostentar no rosto aquela que é a sua marca pessoal, o sorriso. A bem-afortunada experiência anterior da geringonça contribuiu para reforçar a sua autoconfiança. Permitiu-lhe a sensação que o levou a acreditar que dispunha da capacidade de governar o país recorrendo a acordos com parceiros circunstanciais.

Uma revisitação da ideia de Lord Acton segundo a qual um Governo não tem aliados eternos nem inimigos perpétuos. A conjuntura e a matéria em apreço ditam o sentido negocial de cada acordo.

Só que o otimismo é uma faca de dois gumes. Por isso, está a impedir António Costa de ver que lidera um Governo em quarentena. Uma situação preocupante, até porque coincide com a chegada a Portugal da epidemia provocada pelo coronavírus. Essa sim, uma situação a exigir uma quarentena para a qual não é seguro que o país se tenha apetrechado convenientemente.

Depois de semanas em que alguma comunicação social não conseguiu esconder a ansiedade devido à inexistência de casos comprovados de infeção pelo Covid-19 que dessem uso às instalações preparadas para receber os infetados, talvez não demore muito para que a agulha se desvie para o essencial do problema, ou seja, para  perceber a capacidade real de que o país dispõe para fazer face ao crescimento do número de infetados.

No caso presente, como em situações problemáticas anteriores, mesmo pondo de parte o alarmismo que nada resolve e só complica, vai ser preciso bem mais do que otimismo. Apelar ao profissionalismo e ao espírito de missão dos profissionais da saúde, para além de desnecessário, dificilmente será suficiente se o apelo não for acompanhado da disponibilização dos meios necessários. Os portugueses, tal como o Presidente da República, aguardam preocupados a resposta por parte de um Governo que se colocou em quarentena.