Caso ande menos atento às notícias vindas de Timor-Leste, país da CPLP ao qual estamos ligados por um laço histórico tão especial, o último ano e meio tem sido marcado pela indefinição política, cujos efeitos se fazem hoje sentir transversalmente.
Para que esteja a par, explicamos em linhas sumárias o impasse vivido desde maio de 2017 – sendo “impasse” justamente mot du jour – e que se vai arrastando até aos dias de hoje, com duas eleições legislativas pelo meio.
Pois bem, em 22 de julho de 2017, a Fretilin, partido liderado por Mari Alkatiri, venceu as eleições legislativas realizadas na República Democrática de Timor-Leste (RDTL), dando origem ao VII Governo Constitucional (GC).
Rapidamente os restantes partidos, ou seja, o Conselho Nacional para a Reconstrução de Timor-Leste (CNRT) – partido liderado por “Kay Rala” Xanana Gusmão -, derrotado à tangente, com o apoio dos restantes partidos da oposição, o Partido de Libertação Popular (PLP), presidido por Taur Matan Ruak (que também já foi Presidente da República e viria a ser primeiro-ministro no VIII GC, como adiante veremos), e o Partido Kmanek Haburas Unidade Nasional Timor (KHUNTO), uniram-se formando assim uma coligação parlamentar, a que informalmente chamaram de Aliança de Mudança para o Progresso (AMP) e que viria, meses depois, candidatar-se nessa qualidade.
Titulando a Fretilin um Governo de minoria, cedo enfrentou diversas dificuldades, ante a formação da coligação acima indicada, vendo chumbado o programa do governo que apresentou, sendo alvo de uma moção de censura quando não apresentou novo programa e impedida de apresentar orçamento retificativo.
Por outro lado, a AMP defendia a posição de que o partido vencedor, face à sua minoria parlamentar, não conseguiria assegurar a estabilidade política, motivo pelo qual deveria a referida coligação formar governo (à semelhança do que sucedeu em Portugal nas últimas legislativas). Nessa linha, acusou ainda o Presidente de tendenciosidade, atendendo a que Francisco Guterres “Lu´Olo”, que ainda continua a ser presidente da Fretilin, instando-o a demitir-se.
Ora, na ausência de OE para 2018, no início do ano foi implementado o sistema de duodécimos que, embora criando uma bolsa de ar no clima de asfixia que se ia vivendo – chegou ao ponto de ordenados nalgumas instituições públicas ficarem por pagar, por exemplo, já para não falar das múltiplas indústrias que dependem exclusivamente do Estado. O sistema de duodécimos trouxe consigo outro volume de dificuldades, designadamente ao nível da afetação de receitas e do funcionamento dos serviços públicos.
Também a afetação do Fundo Petrolífero foi prejudicada, dado que a mesma implica formalidades que o Governo não tinha condições de assegurar. Esta sucessão de inesperados e inauditos episódios culminou assim com a dissolução do Governo e convocatória de novas eleições, tudo isto ao longo de sete penosos meses.
Pelo meio, diálogos frustrados, líderes de costas voltadas, um país parado, investimentos no setor público e em infraestruturas e serviços que estagnaram, legislação que na prática não entrou em vigor na data prevista, um povo que não teve a liderança de que necessitava para crescer e ascender ao seu potencial. Já no setor privado, diversos investimentos, de maior e menor dimensão, foram suspensos. Com efeito, um governo de gestão corrente é incompatível com o crescimento.
Donde, no início de 2018, o VII GC foi dissolvido, sendo depois convocadas as eleições antecipadas para 12 de maio de 2018, as quais redundaram na prevista vitória da AMP. Quando, depois da eleição a AMP formou um novo governo, o VIII GC, tudo parecia apontar para um desbloqueio, mas eis que internamente começam a verificar-se novas convulsões.
O cenário atual ainda não parece dar provas de que a desejada estabilidade esteja para breve. Sem que haja dúvidas quanto ao legítimo vencedor das eleições e com um governo de maioria, o impasse persiste. Numa fase inicial, a maioria dos ministros propostos pela AMP ficou por empossar, uma vez que o Presidente questiona a legitimidade de algumas das figuras propostas por Xanana – levando a que este recusasse o papel de ministro de Estado e Conselheiro do primeiro-ministro Taur, não se sabendo de momento qual será o seu papel no Governo que ajudou a eleger enquanto protagonista.
Por outro lado, está em causa a legitimidade do Presidente quanto a questionar os referidos nomes nos termos em que o fez, e até a legalidade de tal procedimento, o que ineditamente resultou em cerimónias de tomada de posse “em tranches”. De forma mais ou menos ostensiva, é inegável que os principais atores do teatro político na RDTL estão de costas voltadas. Em todo caso, já há pistas para recuperar o optimismo, pois tudo indica que o OGE para 2018 será aprovado pelo Parlamento Nacional timorense.
Sem prejuízo do acima indicado, com a humildade de sermos meros convidados neste país – para os que cá estamos –, devemos ter a capacidade de pensar para além do nosso próprio empreendedorismo, sendo importante ter consciência social enquanto portugueses e parceiros na lusofonia. Há que ter presente que os que mais sentem na pele, porventura com maior ou menor consciência, serão os próprios timorenses.
Enquanto o país debate a sobrevivência económica e política e questões de subsistência financeira básicas (e incontornáveis, claro), ficam por debater outras mais relevantes, como a educação, a saúde e até a violência de género – sendo embora visível a preocupação em dar destaque a este tema – e outras questões sociais de sobeja importância para a evolução do país.
Os cenários que aqui damos a conhecer são, naturalmente, as contingências de uma economia emergente, sendo fácil esquecer que se trata de um país com menos de 20 anos de existência enquanto nação independente. É preciso dar o devido crédito a Timor-Leste pelo quanto conseguiu alcançar até agora e em tão pouco tempo.
Num mercado emergente, com picos e retrocessos inesperados, são justamente as dificuldades em torno de se viver e ter negócios que tornam as circunstâncias mais proveitosas quando as coisas realmente correm bem.
Portanto, apesar das peripécias, há que manter uma postura otimista e atenta, e usar este tempo de forma estratégica, designadamente para quem queira explorar as oportunidades que Timor-Leste pode oferecer e em que medida se pode acrescentar valor ao país. Há muito por fazer. É o período perfeito para abrir uma empresa, ambientar-se, aproveitar a descida de custos para negociar as melhores condições possíveis em termos de custos de implementação. Quando as nuvens passarem, os precavidos e resistentes serão os primeiros a ter um lugar ao sol.
- parceiro local da PLMJ