Um mundo de extremos: nos Estados Unidos, Trump tem empresas e até lançou uma criptomoeda; em Portugal, Luís Montenegro (a família) tem uma empresa de consultoria, o que fez o país fervilhar com a possibilidade de o primeiro-ministro ter de demitir-se porque ficou a saber-se que recebia uma avença de 4500 euros de uma destas empresas, um casino, e que naturalmente mais avenças há.
O que estas notícias demonstram é que jamais um empresário poderá liderar um governo em Portugal. Passar a empresa à mulher não chega — e na verdade, não chega mesmo, tendo em conta o regime de partilha de bens do casal Montenegro.
Obviamente, o grau de insensatez deste radicalismo (o de exigirmos políticos geneticamente puros) deve deixar-nos aterrados. Este grau de limitação é excessivo e afunila brutalmente a base de recrutamento. O país fica apenas autorizado a eleger políticos de carreira, académicos, cientistas, trabalhadores por conta de outrem — jamais empresários, o que não faz qualquer sentido.
É evidente que a transparência é fundamental e que os conflitos de interesse devem ser acautelados. A fiscalização é, depois, fundamental. Mas fomos longe demais. Estamos na terra de ninguém.
Infelizmente, Luís Montenegro fez uma fraquíssima defesa da sua posição.
Para começar, não aceitou perguntas — uma lástima, um péssimo hábito democrático, o que levanta dúvidas legítimas sobre o que não está a revelar. A seguir, foi demagógico até ao enjoo. Só faltou dizer que a empresa da família cumpre a missão humanitária de dar a mão aos desvalidos. Por último, pediu uma moção de censura, mas talvez avance para uma moção de confiança se, entretanto, a primeira não acontecer. A explicação é muito simples: quer culpar, em primeira instância, os partidos da oposição pela queda do governo. Puro tacticismo.
Finalmente, Montenegro misturou as políticas do governo com a sua posição pessoal. O que fez sentido no Parlamento, neste monólogo foi absurdo. A presença de todos os ministros atrás do PM sublinhou e revelou fraqueza, não a força pretendida. O país queria esclarecimentos, teve um comício à porta fechada.
Tudo isto é uma lástima. Antes de tomar posse, o primeiro-ministro deveria ter passado a empresa imediatamente para os filhos. Foi um erro não o fazer. Embora esse erro não seja fatal. O país é presa fácil da especulação e do populismo — na verdade, todos os países o são. Esta terrível falta de visão política (isto é uma tema político, não penal ou jurídico) está a sair-lhe muito caro e está a perturbar o país num momento em que há bom impulso na economia.
Podemos especular sobre os serviços prestado pela empresa da família Montenegro. A regra deve, no entanto, ser a não fazermos deduções sobre os factos. Se houve algum problema, se há conflitos de interesse, eles têm de ser demostrados por quem acusa, embora esta regra de salubridade democrática tenha caído em desuso.
É importante que fique claro que não é possível termos líderes eunucos. Não é sequer desejável. As pessoas têm vida — embora no reino do populismo a vida dos outros seja sempre um escândalo e uma aldrabice.
Dito isto, esta fuga em frente do primeiro-ministro volta a não resolver o assunto — cria ruído desnecessário, de tão pouco objectiva e tão demagógica que foi. A história de Luís Montenegro tem fragilidades, todas as histórias as têm, mas esta estratégia sinuosa e confusa não fará parar os capítulos seguintes. O drama é claro: falta saber alguma coisa?