Julho normalmente coincide com o início da época alta do período de férias, e as pessoas estão mais viradas para o descanso e o lazer do que para discutir temas sérios. Às vezes surgem anos atípicos, em que o Verão se apresenta cheio de acontecimentos a merecer atenção. 2024 é um desses.

As atenções deveriam estar focadas nas eleições americanas de 5 de Novembro. Este ano o processo já vinha sendo perturbado pelos indícios de fragilidade física que Joe Biden vinha evidenciando. Mas o atentado a Donald Trump e a desistência de Biden, que se preparava para ser formalmente nomeado candidato do Partido Democrata, vieram destruir o que lhe restava de normalidade.

O paradoxo é que esta desistência era claramente desejada pelo Partido, mas o tradicional respeito que o establishment político americano dedica aos candidatos incumbentes, leva-me não estar seguro de que fosse realmente esperada. Se o fosse, já teríamos visto outras personalidades perfilarem-se como alternativas.

Mas, se bem me lembro, a última vez que alguém do partido do incumbente se apresentou como uma alternativa minimamente viável foi em 1980, quando Robert Kennedy tentou substituir Jimmy Carter, cuja popularidade estava pelas ruas da amargura, fruto da inflação provocada pela alta do preço do petróleo resultante da revolução iraniana. Mesmo assim, Carter foi nomeado pela Convenção Democrata, e foi derrotado nas urnas por Ronald Reagan, que iniciou a deriva conservadora nos EUA.

Na realidade, o Partido Democrata não tem tempo nem condições para encontrar e promover uma candidatura alternativa que não seja a de Kamala Harris, acerca de quem apenas se pode dizer que apresenta índices de rejeição comparáveis aos de Trump. Teremos dois candidatos de quem o eleitorado tem opinião negativa.

Julgo que uma boa parte do Partido Democrata terá a mesma opinião, e que os seus esforços se concentrarão na manutenção da maioria no Senado e na reconquista do controlo da Câmara dos Representantes. Será a única forma de evitar que Trump consiga impor a agenda ideológica recheada de princípios e ideais nacionalistas e isolacionistas que baptizou “Make America Great Again”.

Mas este Julho é atípico por outras razões. As eleições para o Parlamento Europeu permitiram que as formações de extrema-direita aumentassem a sua representação (embora sem atingir a dimensão que se chegou a pensar), e desencadearam eleições legislativas em França, cujo resultado pode tornar a França praticamente ingovernável a médio prazo. No Reino Unido verificou-se a formação de uma maioria absoluta de um só partido como não se via desde 1835.

A Presidência Húngara do Conselho Europeu iniciou-se com a visita de Viktor Órban a Zelensky, Putin e Chi Jinping, para afirmar a autonomia húngara face à União Europeia. A Comissão respondeu com o anúncio de que não participará em reuniões dos ministros dos Negócios Estrangeiros convocadas pela Hungria. António Costa terá certamente muitas oportunidades para demonstrar a sua capacidade de construir diálogos e pontes.

Por cá, tivemos a entrevista da Procuradora Geral da República, que deveria ter tido lugar há pelo menos cinco anos e confirma a necessidade de uma profunda reforma da Justiça, incluindo do Ministério Público; começaram as conversas sobre o Orçamento (mais uma vez sem haver qualquer debate sobre o Estado); e surgiram os primeiros “casos e casinhos” (para já, o caso das gémeas e a indemnização paga pela CP à Secretária de Estado dos Transportes), para não variar.

Venha Agosto!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.