Idlib tornou-se o principal foco de tensão na Síria. Situada no noroeste do país, é uma região contigua à Turquia, ocupada pelo Exército turco, onde operam grupos jihadistas (Hayat Tahrir al-Sham), e as “forças moderadas” da Frente de Libertação Nacional (FLN) sob proteção da Turquia. A Rússia acusa a Turquia de não honrar o acordo assinado em 2018, em Sochi. Ancara estava obrigada a desmilitarizar a região e a separar os grupos jihadistas das chamadas “forças moderadas”. Em vez disso, optou por reforçar o seu dispositivo militar, e participar em operações militares ao lado das forças antigovernamentais, comportando-se como uma verdadeira força de ocupação.

O controlo dessa região é importante para Damasco por dois motivos: estratégico, porque impede a ligação de Alepo, a segunda cidade do país, a Damasco e a Latakia, no Mediterrâneo; e psicológico, porque evidência a incapacidade síria de recuperar a totalidade do território, mesmo com a ajuda da Rússia e do Irão, lembrando que a guerra não está terminada, nem vencida.

A situação militar deteriorou-se nos finais de fevereiro. No dia 27, um ataque aéreo sírio a sul de Idlib matou 33 soldados turcos, num local onde se desenrolavam combates entre forças de Damasco e da FLN. Não era suposto encontrar-se aí uma unidade militar turca. A Rússia negou o envolvimento na operação, mas explicou que a unidade turca foi atingida porque participava em operações conjuntamente com forças terroristas.

A resposta turca não se fez esperar. Erdogan retaliou de forma particularmente violenta, empregando de forma coordenada um número sem precedente de drones armados, e fogo de artilharia, exibindo uma capacidade militar não esperada. A ausência de resposta síria não pode deixar de levantar interrogações sobre a eficácia do equipamento de defesa aérea russo. Recorda-se que o espaço aéreo do noroeste da Síria é controlado pelas unidades russas estacionadas em Khmeimim.

O deslocamento de forças e equipamento militar pesado para a região sugere a possibilidade de uma ofensiva de Ancara a sul de Idlib. Embora a Turquia e a Rússia não desejem uma confrontação direta, essa possibilidade é elevada se Erdogan persistir no seu plano belicista. A Turquia gostaria de internacionalizar o conflito e contar com a NATO ou os EUA a seu lado num confronto com a Rússia. Invocar o Artigo V está fora de questão, por agora. O comportamento de Ancara serve objetivamente os interesses norte americanos. O State Department está entusiasmado com a possibilidade de os EUA apoiarem Erdogan, e assim refazerem uma ligação quebrada em 2016 quando patrocinaram um golpe de Estado para o derrubar. Os militares americanos têm uma posição mais cautelosa.

Se a operação lançada por Ancara no nordeste da Síria, em 2019, para criar uma zona tampão entre a Síria e a Turquia, poderia eventualmente fazer algum sentido numa lógica existencial (evitar a continuidade territorial entre curdos sírios e turcos) e defensiva, em Idlib a situação é completamente diferente. Trata-se de expansionismo e ocupação de território, com apoio de grupos jihadistas e islamistas, em flagrante violação do Direito Internacional. A ONU e a União Europeia falam insistentemente na situação humanitária na região. Seria mais avisado empenharem-se no tratamento das causas do problema, do que consumirem-se com as consequências.