Além da parafernália de incongruências, Donald Trump traz ainda a lume a incoerência de certos críticos. Na verdade, e apesar do que faz para minar a globalização e o comércio livre, são muitos os defensores das taxas alfandegárias e críticos da globalização que não gostam de Trump. Que o deviam apoiar, mas que o desprezam.
Logo após a Cimeira do G7, Donald Trump começou a disparar tweets. Fê-lo de forma intensa, ao que parece ainda no avião de regresso. Frases como “Fair Trade is now to be called Fool Trade if it is not Reciprocal”, ou “Why should I, as President of the United States, allow countries to continue to make Massive Trade Surpluses”, além de profundamente ignorantes sobre o comércio livre, de profundamente impregnadas da teoria marxista de que se há um ganhador tem de existir um perdedor, amplificam muito bem o que políticos como Catarina Martins e Jerónimo de Sousa nos dizem todos os dias, como traduzem o que colunistas como Daniel Oliveira, como sucedeu ainda esta semana, escrevem no “Expresso”.
No entanto, nunca leremos uma linha de Daniel Oliveira a concordar com Trump. Da mesma forma, jamais Catarina Martins e Jerónimo de Sousa confessarão a sua satisfação por terem na Casa Branca quem aplique as suas ideias. E a incoerência não é só destes dois. Estende-se a boa parte da esquerda europeia e norte-americana, Jeremy Corbyn no RU e Bernie Sanders nos EUA, bem como à direita extremista de Marine Le Pen. Todos dizem com frases bonitas o mesmo que lemos nos furiosos tweets de Trump. A forma é diferente, mas a essência é igual.
Esta incoerência não é simples, embora seja oportuna. Na verdade, Trump está profundamente ligado ao capitalismo, ao ponto de Pedro Santos Guerreiro, no “Expresso”, ter confundido há dias os interesses das grandes empresas com o liberalismo esquecendo que este deve mais à liberdade do pequeno comércio que aos favores que as grandes empresas obtêm dos Estados. Que o liberalismo económico depende do liberalismo político não apenas porque sim, mas porque a liberdade económica vive da separação de poderes e da não interferência dos poderes públicos. Não interferência essa que passa por não condicionar, por não favorecer. Precisamente o contrário do que Trump (um capitalista não liberal) faz.
Por se encontrar ligado à pior face do capitalismo, Trump é a figura ideal para a esquerda e a direita extremistas verem realizados os seus intentos sem que assumam as suas consequências. A verdade assustadora é que Trump é errático e perigoso na sua vagabundagem ideológica, mas estas suas características existem noutros, embora num registo diferente e igualmente mortífero.