O dealbar de um novo ano remete-nos sempre para reflexões relacionadas com a ideia de recomeço.

Mesmo sabendo que não existe efetivamente nenhum recomeço, ou que há um número infinito de recomeços, não só no início do ano, mas sempre, não escapamos ao hábito de fazer o balanço do passado e planos para o futuro.

E esse é um bom hábito. Rever o que foi feito e daí tirar conclusões para planear para o futuro.

Infelizmente, é uma prática que normalmente não passa de fogo fátuo típico do momento e pouco vezes consubstanciada em ações concretas. Digo infelizmente porque é dos processos de que mais carecemos, individual e coletivamente.

Como povo somos dados ao improviso e à gestão quotidiana, talvez fruto de uma perspetiva fatídica da vida ou de uma noção de pequenez propensa a desenvolver a ideia da nossa incapacidade de intervir em questões que ultrapassam o nosso mais restrito círculo.

Iniciamos um novo ano com um processo eleitoral importante.

Claro que a noção de importância é relativa e para muitos quer apenas significar como vai ser distribuído o poder formal e o que daí decorre. Como país estatizado que somos esse tema é fundamental pois é o início da cascata de distribuição económica, isto para colocar a questão de uma forma menos ofensiva.

Iniciaram-se os debates políticos e o deserto de ideias e a repetição de lugares-comuns é o paradigma. Até ao momento ninguém foi capaz de demonstrar uma ideia estruturada para os problemas do país. Aliás, esses problemas nem são verdadeiramente enunciados por ninguém.

Apenas um partido de esquerda, através da sua líder, disse que tinha uma estratégia para o país. No entanto, essa afirmação não resiste a uma análise simplista do que está para lá dos soundbites em que se especializaram, ditos sempre com um sorriso, cara simpática e voz melíflua.

Face a isso apetece-me dizer, parafraseando um conhecido professor de direito, a senhora “tem ideias boas e originais, mas as originais não são boas e as boas não são originais”.

O nosso país tem enormes problemas para resolver e o tempo vai escasseando.

Temos um problema claro de modelo económico e social, do qual decorrem outros muito graves problemas como o endividamento externo, a fragilidade do nosso tecido empresarial, o envelhecimento da população, o desequilíbrio da segurança social e do sistema nacional de saúde, a dificuldade de retenção de talento humano e a inexistência de uma efetiva política de imigração.

E refiro-me apenas aos mais óbvios.

Numa segunda linha, poderia referir questões, que me são pessoalmente caras, como o definhamento do país na cena internacional, da União Europeia à CPLP, a pouca atenção estratégica à nossa diáspora, a progressiva rarefação da nossa capacidade de defesa e segurança, mas também tópicos de interesse como ouvir as ideias dos nossos putativos líderes sobre as relações europeias com a Rússia e a projeção de força neoimperial deste país, o reforço do autoritarismo na China, a evolução das relações com o Reino Unido e, em particular, com os EUA, entre outros temas.

Mas sobretudo, num momento conturbado para a nossa sociedade, cada vez mais multicultural, embora ainda longe do que se passa noutros países ocidentais, gostaria de ver o debate fluir sobre os nossos valores mais profundos, os valores ocidentais.

Os valores da democracia, dos direitos do homem (nomeadamente os das mulheres), da tolerância religiosa, da liberdade de opinião, do primado da justiça equitativa e da liberdade individual, valores atualmente tão em causa em quase todas as latitudes, deveriam naturalmente ser objeto de debate e de defesa acérrima.

É que, por vezes, ouvindo a narrativa de alguns dos nossos partidos e de certas organizações, parece até que estamos numa outra geografia onde proliferam autoritarismos, nomeadamente do Estado sobre os cidadãos, processos discriminatórios das minorias e perseguições várias e não num país livre e democrático, onde apesar das muitas e naturais deficiências, o leque de liberdades e a sua proteção constitui um oásis num mundo bem mais complexo.

Mais do que a minha reflexão de novo ano, estes são os meus votos. No fundo um desejo, talvez demasiado ambicioso, de que não nos cinjamos à pequenez e ao parcial, mas que desenvolvamos, começando pelos nossos líderes políticos, uma mundivisão que só nos poderá trazer benefícios como sociedade aqui neste recanto a Ocidente.