O início de um novo ciclo da Cultura em Portugal implicou um trabalho de mudança e de reorientação profunda das políticas culturais, cujos resultados se irão generalizando ao longo do ano que agora inicia.

“Agir em todo o País” e “Construir através do diálogo” são os princípios estruturantes das novas políticas culturais públicas. Estas, por sua vez, longe de serem abstrações, corporizam-se em medidas concretas, tanto no conhecimento, na preservação e na valorização dos nossos ricos e singulares patrimónios, como nos diversos planos da criação artística contemporânea, que urge expandir e fortalecer.

Agir em todos os territórios do Continente e Ilhas implica reconhecer e dotar de meios uma série de estruturas e de manifestações culturais em situação de exclusão e de abandono; implica reconhecer e valorizar o que até aqui se tem denegado, ou o que, especialmente nas últimas décadas, tem vindo a ser olhado com arrogância e desconfiança – quer as manifestações provindas de práticas rurais ancestrais, em processo de perda e transformação acelerada, quer os contributos de origem e expressão diversas, seja de artistas singulares, seja de inúmeras comunidades dispersas pelo País. Coletividades, associações, grupos ligados por sentimentos de pertença geográfico-cultural, muitos dos quais com origem no espaço da Língua Portuguesa (CPLP), vivem há décadas em dinâmicas de exclusão e de autoexclusão, como sucede a comunidades minoritárias, de que são exemplo as comunidades ciganas.

Existe, como sabemos, uma enorme frente de artistas e de agentes culturais que a arrogância do Poder e as suas políticas erráticas têm mantido afastada do financiamento público. O acesso a este financiamento público facilitado a uma minoria urbana de curadores e programadores – na sua maioria com um pensamento e uma abertura não plurais, limitados a programações de âmbito restrito, mesmo que relevante – configurou exclusão, traduzida na negação de condições de trabalho que, constitucionalmente, devem ser de todos.

É, sim, dever do Ministério da Cultura ser fator de rigor, isenção e garantia de igualdade de oportunidades a criadores, programadores e produtores culturais, independentemente do lugar onde habitem ou exerçam a sua atividade. A mudança iniciada nos procedimentos de seleção para a representação oficial de Portugal na Bienal de Arquitetura de Veneza, através de candidaturas abertas a todos os interessados, é exemplo dos critérios abrangentes e dos princípios fundamentais a generalizar como prática em todos os organismos do Ministério.

Na prática, de que modo os dois princípios estruturantes acima enunciados – Agir em todo o País e Construir através do diálogo – são assumidos e se traduzem numa mudança de paradigma cultural, com carácter estruturante e de longa duração? Antes de mais, através da parceria que o Ministério da Cultura pretende instituir com os 308 municípios do País. Concretizada através de um ciclo de reuniões sequenciais, a realizar em cada região, ao longo deste mês de janeiro, garantimos continuidade a uma série de auscultações que já tive a oportunidade de realizar, com especial ênfase junto dos presidentes dos municípios que visitei, de Norte a Sul e Ilhas, ao longo dos últimos meses.

Pude constatar, nesses encontros, o vigoroso desejo de que se emende com urgência, através de medidas concretas, a grave ausência do Ministério da Cultura – extintas que foram pelo anterior Governo as Direções Regionais de Cultura –, que se traduz na existência de desertos culturais e em sentimentos generalizados de abandono, de situação desigual e de injustiça.

A parceria com os municípios concretizar-se-á a curto prazo, através de contratos-programa destinados às bibliotecas municipais, por um lado, e à Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, por outro. É importante reconhecer que 303 municípios têm biblioteca e que, em cumprimento do objetivo que assumi, os cinco que não têm vão passar a ter. Designadas como “Unidades Culturais de Território”, o seu processo de valorização, dinamização e transformação concretiza a ação do ministério em todo o País, sem exclusões. Por sua vez, este trabalho de valorização e dinamização andará a par com a reestruturação da rede de teatros e cineteatros, um recurso que o Ministério da Cultura partilha com os municípios, mas cujo funcionamento, em matéria de reorganização e dotação de meios, urge também assumir.

Temos assim que, a começar pelas bibliotecas públicas, desejavelmente numa por cada município, será concretizado um conjunto de programas, que foi atempadamente definido, com o devido enquadramento orçamental – “Mais livros para ler”, que consiste na atualização e reforço dos acervos em articulação com o Plano Nacional de Leitura; “Um escritor por mês na minha biblioteca”, que garante a circulação frequente de autores portugueses credenciados pelas bibliotecas; o Programa “Luís de Camões”, cuja concretização garante a circulação de professores de literatura pelas bibliotecas, em articulação com a Estrutura de Missão mandatada na presente legislatura para garantir um programa amplo e qualitativo das Celebrações do V Centenário do Nascimento de Luís de Camões, sediado na Biblioteca Nacional de Portugal; o Programa “Residências artísticas”, a empreender nas bibliotecas e na Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP), bem como o Programa “Estudos da paisagem”, de âmbito multidisciplinar, que conta com a colaboração do Ministério da Agricultura e Pescas e do Ministério do Ambiente e Energia. Com a Rede Portuguesa de Arte Contemporânea (RPAC), assumimos recentemente o compromisso de ensaiar formas de colaboração, designadamente através de uma programação regular de exposições nas bibliotecas, em caso da disponibilidade de espaços adequados, ou noutros equipamentos de que os municípios disponham.

Ainda em matéria de descentralização territorial e com caráter estruturante, refira-se a criação, em 2025, de oito Unidades Patrimoniais de Território (UPT), a instalar em instâncias patrimoniais tuteladas pelo Património Cultural, I.P., com uma distribuição geográfica que vai permitir eficácia às políticas de preservação e valorização dos nossos diversos patrimónios, basicamente votados ao abandono com a reforma empreendida no final de 2023.

As UPT estarão disseminadas pelo território continental e serão integradas por pequenas e multifacetadas equipas técnicas, com capacidade para, num raio de ação delimitado, procederem a uma presença ativa, dinâmica e eficaz de verificação e acompanhamento das situações relativas aos imóveis objeto de classificação ou classificados, sempre em articulação com os demais serviços da administração cultural e em permanente diálogo com outras entidades e instituições, designadamente de âmbito municipal.

De igual modo, uma distribuição geográfica ampla e equitativa está prevista nos programas dos ciclos comemorativos, especialmente nos que têm programa delineado, como acontece com os casos de Camões, Vasco da Gama e Carlos Paredes, assim como numa série de medidas concretas a efetivar a breve prazo. A título de exemplo, refira-se a revisão do apoio qualitativo e quantitativo às bandas filarmónicas e às orquestras regionais, em processo de reflexão na Direção-Geral das Artes.

Em matéria de internacionalização, apenas para aludir ao muito que há a fazer, sobretudo através de ações concertadas entre Ministérios, assinale-se que o Centenário de Carlos Paredes, a realizar em parceria com o Museu do Fado, terá um programa internacional de concertos, além de ações de âmbito patrimonial, investigativo e educativo. Por sua vez, as bolsas anuais de criação literária, também a lançar daqui a dias, preveem bolseiros sem regime de exclusividade e sem contrato de trabalho, diferentemente do que sucedia até agora, com distribuição equitativa em território nacional e na CPLP. De resto, estas bolsas correspondem já, em matéria de abrangência territorial e de processo de simplificação das candidaturas, ao que se almeja generalizar.

A cada fundação com subvenção pública, designadamente à Casa da Música, ao Centro Cultural de Belém, ao Museu de Serralves, ao Museu Arpad Szenes Vieira da Silva e, também, aos Teatros Nacionais, foi apresentado por minha iniciativa o imperativo de garantirem retorno do investimento do Estado através de contratos-programa a instituir entre o Ministério da Cultura e estas instituições subvencionadas. O retorno do investimento do Estado – que será reforçado, a breve prazo, através de uma inovadora e muito oportuna lei do mecenato – será canalizado como complemento e reforço do serviço cultural público.

Na prática, trata-se de garantir a realização de 116 residências artísticas de curta duração (em música, teatro, dança) e em cursos de mediação em arte contemporânea, destinados a jovens de todo o País e dos estados-membros da CPLP.

A qualidade do serviço cultural público e a boa gestão dos recursos não podem deixar de assumir prioridade.