Os modelos tradicionais de exercício das diversas profissões jurídicas estão claramente a esgotar-se. Porventura, esse esgotamento está a ocorrer ainda mais rapidamente na advocacia, que é, das várias profissões da área do Direito, aquela que está mais diretamente exposta às transformações económicas e tecnológicas dos nossos dias e onde, naturalmente, a concorrência se faz sentir de forma mais intensa.
Para quem, sobretudo nas faculdades de Direito, se propõe formar juristas para as próximas décadas é fundamental perceber que há um novo paradigma – global e digital – a marcar o perfil dos futuros juristas.
Com efeito, a globalização – que aliás se tem revelado assimétrica na distribuição dos benefícios do progresso económico e tecnológico, bem como no acesso ao conhecimento – tem sido acompanhada pelo desenvolvimento de um tecido jurídico multinível, simultaneamente mais denso e volátil, no qual os planos regulatórios regionais, nacionais, supranacionais e internacionais se entrecruzam.
Em diversas áreas, assistimos assim à emergência de um novo Direito – de natureza global –, que desafia frontalmente o papel do Estado como criador monopolista do Direito dito nacional. Não é apenas no comércio internacional e na arbitragem. Surge também em domínios como o desporto, o ambiente, a inovação tecnológica ou a proteção de dados.
Esta perspetiva pode parecer perturbadora, mas a verdade é que, se olharmos para a história do Direito, a existência de ordens jurídicas nacionais, produzidas de forma sistemática por legisladores soberanos, é um fenómeno relativamente recente. Até ao século XIX e ao movimento codificador, vigorava no espaço europeu um direito comum, largamente composto por um acervo normativo herdado do Direito romano.
A formação de direitos nacionais correspondeu assim a um projeto político da modernidade, em que cada Estado afirmava a sua soberania através da produção de leis próprias. Pelo que a emergência de um Direito global é também um resultado da atual crise do Estado e das profundas transformações ocorridas na comunidade internacional e, em particular, do surgimento de múltiplas instâncias transnacionais, públicas e privadas.
Por outro lado, a futura geração de juristas será a primeira a trabalhar lado a lado com novas ferramentas tecnológicas, desejavelmente em cooperação – mas inevitavelmente também em competição – com as enormes potencialidades da inteligência artificial. O próprio Direito, substantivo e processual, incorporará novos conceitos e procedimentos, com os velhos códigos em papel – ícone ancestral do saber dos juristas – a repartir o seu protagonismo com os códigos próprios da informática. Progressivamente, os enigmáticos algoritmos assumirão um papel fundamental nos processos de análise e decisão jurídica, tanto mais que já são hoje capazes de examinar cláusulas contratuais, identificar riscos jurídicos, efetuar prognósticos quanto ao desfecho de processos, fazer resolução on line de litígios – enfim data-driven decision making.
Os juristas que hoje estão a entrar nas faculdades de Direito têm, portanto, de estar habilitados a trabalhar num ambiente global e precisam de dominar novos instrumentos, sobretudo na área informática e do digital. Neste contexto, em que os regimes legais mais contingentes perdem importância e os princípios jurídicos se tornam cada vez mais decisivos, um conhecimento profundo dos quadros dogmáticos e metodológicos do Direito será, cada vez mais, essencial para se ter uma carreira de sucesso.
Não menos importante do que preparar os novos juristas para estas mudanças é desenvolver neles um forte sentido crítico e a consciência de que o Estado de Direito democrático não é um dado adquirido.
Bem pelo contrário, há sinais muito preocupantes no horizonte. Vivemos imersos numa sociedade em que os laços tradicionais, que prendiam os membros da comunidade a valores e deveres recíprocos, vão dando lugar a um forte individualismo, no qual todas as pretensões tendem a transformar-se em direitos. Subitamente, as sociedades ocidentais descobrem-se envolvidas numa era de pós-verdade – caraterizada pela indiferença diante da falsidade, com desaparecimento da censura social que sempre lhes esteve associada –, mas de igual modo numa era de nostalgia, em que um certo passado idealizado – de coesão social e progresso – parece ser o único refúgio seguro, ao qual se quer regressar.
É este contexto cultural, em que emoções humanas mais elementares reganham primazia sobre a razão e sobre a análise objetiva dos factos, que alimenta os populismos. Ora, as democracias ocidentais, aparentemente sem os argumentos convincentes para fazer frente a estes fenómenos, estão muito dependentes da fidelidade dos juristas à sua missão fundamental: busca da verdade material; apresentação rigorosa dos factos; construção de decisões equitativas; e de defesa firme da dignidade da pessoa humana, independentemente da origem nacional de cada um, da religião, do género ou da sua condição social.