No passado dia 12 de junho foi notícia que Blake Lemoine, um engenheiro sénior da Google, afirmara que o chatbot com que estava a trabalhar desde o outono do ano passado, tinha ganho consciência e alma.

Apesar da Google se ter apressado a desmentir a versão do seu colaborador e partindo do pressuposto que as tecnologias inteligentes ainda não possuem tais atributos, uma questão de mantém. Porque é que um elemento proeminente de um departamento de pesquisa avançada de uma das maiores companhias do mundo, se arriscou a colocar a sua reputação em risco ao fazer uma afirmação com este peso?

A resposta pode estar na relação que Blake criou com o chatbot. Um chatbot é um programa que utiliza a inteligência artificial para realizar conversas com humanos. De certeza que já se deparou com um deles em sites de seguros, vendas, ou mesmo, no caso da Ordem dos Psicólogos Portugueses, com a “Ana” a nossa assistente virtual do site sinto.me.

Durante cerca de seis meses Blake teve como missão treinar este chatbot, que graças aos enormes recursos que a Google dispõe e da enorme quantidade de informação e dados, se foi alimentando para ficar cada vez mais eficiente no que toca ao seu objetivo, conversar com humanos.

A quantidade de horas de treino, as inúmeras interações (significativas para Blake) fizeram-no acreditar que este sistema tinha ganho consciência, tinha alma, que era como uma criança de sete ou oito anos, chegando mesmo a dizer que tinha crenças religiosas, provando tais afirmações com passagens das conversas que tinha tido.

É esta a importância desta faceta humana (a procura e capacidade de encontrar significados) que nos possibilita criar ligações com quem (ou o que) nos envolvemos, principalmente quando este “outro” nos dá feedback e é recíproco. Pode estar neste aspeto alguma da justificação para as afirmações de Blake, uma relação, uma construção participada e significativa do outro (leia-se chatbot).

Enquanto seres sociais a relação é a estrutura que nos permitiu construir a rede que nos sustenta como civilização. Enquanto construção medeia e organiza as nossas emoções com o intuito de promover um output que torna possível uma vida em comunidade mais eficiente (quando edificada de forma positiva).

Este aspeto muito próprio da nossa espécie é o veículo para a conexão entre algo ou alguém com outra coisa ou outra pessoa, espelhando os vínculos afetivos, que permitem as relações de amizade, íntimas, laborais, familiares, entre outras.

No entanto, enquanto seres humanos conseguimos criar relações significativas não só com pessoas, mas com animais, objetos e mesmo ideias, relações essas que podem ter impactos significativos nas vidas de quem as cultiva.

É por isso importante refletir no exemplo de Blake Lemoine e de perceber se os avanços tecnológicos não nos colocarão um novo tipo de relação. Uma relação entre homem-máquina, colocando a tónica num novo leque de competências sociais e relacionais, em que a “máquina” se vai tornando num tipo de espécie com as suas, preferências, sensibilidades, gostos e manias…

O autor assina este artigo na qualidade de responsável pela relação entre a psicologia e a tecnologia na Ordem dos Psicólogos Portugueses.