A notícia de que a SporTV não baixará o preço dos seus pacotes de subscrição depois de ter perdido (para a “Eleven Sports”) os direitos da Liga dos Campeões e da Liga espanhola, já esta temporada e durante três épocas desportivas, confirma como é incompreensível que a Autoridade da Concorrência tenha permitido que o antigo monopólio da Olivedesportos, a certa altura participado pela NOS, se tivesse transformado num oligopólio que junta ainda a Altice (MEO) e a Vodafone.

Nesse processo, não foram defendidos os interesses dos consumidores.
Compreendamos o seguinte: a Olivedesportos, depois Sportinveste, hoje também sócia da SporTV apenas já com 25%, dispôs durante décadas dos direitos de transmissão do futebol português. Primeiro foi visão. Depois terá sido um milagre, também patrocinado pela RTP de José Eduardo Moniz que, sendo monopolista do espectro audio-visual na altura (estávamos nos anos 90 do século passado, não havia SIC nem TVI, nem cabo, nem nada), e tendo até dentro de casa uma empresa que se dedicava ao mesmo negócio de comprar direitos (a defunta RTC), aceitou sem pestanejar fechar negócio com Joaquim Oliveira.

A coisa andou como se sabe durante 30 anos (dispenso-me de contar a história de adiantamentos, letras e sucessivos prolongamentos de contratos com os presidentes úteis dos clubes) até que um dia Domingos Soares Oliveira chegou ao Benfica e rapidamente se tornou braço-direito de Luís Filipe Vieira. Homem competente, agarrou numa caneta e numa folha de papel (não era preciso mais…) e multiplicou o número de aderentes da SporTV pelo preço do pacote base. A seguir olhou para o que o Benfica recebia anualmente ainda naquele ano de 2007: 7,5 milhões de euros! Soares Oliveira achou mal duas coisas: primeiro, a margem de lucro pornográfica do canal que vivia à conta do futebol português e dos seus clubes; segundo, que o Benfica recebesse exatamente o mesmo do FC Porto e do Sporting.

A história recente é conhecida. O Benfica extremou posições. Fundou a Benfica TV. Passou a transmitir os seus próprios jogos. Os direitos televisivos do clube deram logo um salto fantástico – e, a reboque, Joaquim Oliveira teve de rever tanto o contrato do seu FC Porto como o do Sporting e, até, de dar umas migalhas aos outros clubes que nunca quis que percebessem o que era aquela coisa chamada “centralização de direitos”.

Em 2016, o Benfica assinou com a NOS por três anos um contrato que se vai renovando até ao limite de dez anos. No final desse período, o clube terá recebido 400 milhões de euros. Mesmo que se considere que 25% desse contrato tenha a ver com a passagem do sinal do canal Benfica (que vale sobretudo por transmitir os jogos do clube…), ainda assim fica uma média de 30 milhões de euros/ano por direitos televisivos durante os dez anos de vigência do acordo.

Como também é do conhecimento público, mais uma vez a reboque, o FC Porto fechou com a MEO um contrato de 457,5 milhões (durante doze épocas e meia e englobando vínculos comerciais adicionais, como publicidade estática, entre outros) e o Sporting, tendo-se guardado para o fim, assinou pela NOS por 515 milhões  em dez anos (numa operação ainda mais ampla do que a do FC Porto e que motivou logo o desagrado do Benfica com a operadora).

Relembro este caminho para que o leitor menos atento a estas coisas perceba o seguinte: sem o caminho pioneiro do Benfica ainda hoje os clubes estariam à mercê do antigo monopólio porque os seus dirigentes, a quem pelo menos podemos chamar de incompetentes, remetiam-se às necessidades diárias e andavam sempre de chapéu na mão a pedir favores ao intermediário que ganhava milhões à conta deles. Mas, tendo a realidade mudado, a Olivedesportos/Sportinveste ficou sem capacidade para sequer participar na digestão do bolo. Ou arranjava outros parceiros ou falia na função antiga. Na realidade, a bem ou a mal, as operadoras já tinham puxado as cadeiras e sentado-se à mesa sem pedir licença.

Foi assim que nasceu a necessidade da Altice (MEO), e depois da Vodafone para fechar o círculo, de serem acionistas da SporTV. A NOS já lá estava, na sociedade original, depois da separação do cobre e do cabo que levou a então PT a ter de se desfazer da PT Multimédia, a evolução da original TV Cabo (baptizada então de ZON Multimédia e que evoluiu para a atual NOS/Optimus).

Compreendo os motivos de todos: salvaguardarem os respetivos interesses. O de Joaquim Oliveira de sobreviver no antigo pasto agora transformado em selva onde já não reinava. O das operadoras de rentabilizarem o esforço financeiro por mais uma outra via neste mercado pequeno de dez milhões de pessoas. O que nunca percebi, e sempre me pareceu escandaloso, foi que a Autoridade da Concorrência achasse normal este negócio e não se tivesse preocupado com os efeitos desta consolidação na livre concorrência e no interesse dos consumidores.

É por isso que a SporTV pode fazer o preço que quer. Pode manter a prestação aos clientes tendo perdido conteúdos.

Mas não é só isso.

A “Eleven Sports” (ES), que comprou os direitos da Liga dos Campeões e da Liga Espanhola, e está a adquirir outras competições, já só tinha em Portugal um parceiro possível: a Nowo, antiga Cabovisão. É a quarta operadora, a mais pequena, aquela que por isso ficou de fora do bolo da SporTV.

Repararam os leitores nas consequências? Pois, aos mais distraídos, eu informo: a ES/Nowo teve de fazer um acordo com a TVI, onde esta época se verá a Champions em aberto (a única consequência positiva deste processo sul-americano), mas ainda não conseguiu fechar qualquer contrato para a abertura de um canal próprio, concorrente da SporTV, nas três grandes operadoras que são, simultaneamente, difusoras de sinal e proprietárias do canal.

Não acho normal este sindicato que assim determina o preço do produto futebol e ainda decide se admite ou não ter concorrentes – podendo, ao mesmo tempo, com o seu poder na distribuição, estar numa posição leonina na negociação para abertura do sinal de um futuro operador na mesma área de futebol e outros desportos. Tanto a montante como a jusante estabelece o preço que quer.

Igual ou pior que isto só alguém de uma família accionista de referência de SAD de clubes candidatar-se a uma casa de apostas e receber licença.

Acham que seria possível? Pense o leitor com calma porque estamos em Portugal e ainda apenas no século XXI…