Olhamos para o orçamento de Estado e vemos um intento que para alguns chega a ser um desígnio. Sem reformas, no Estado e na economia, e pondo toda a fé no milagre que é o turismo, na ajuda do BCE e na bênção dos céus que são os baixos preços das matérias-primas, o Governo tem margem de manobra para manter a despesa pública, cobrar impostos a parte da população e distribui-los depois entre o seu eleitorado.

Margem para isso e até para cumprir as metas do défice impostas por Bruxelas. Bruxelas que, de toda a forma, não esquece de alertar para as tais reformas estruturais que há uns anos eram imprescindíveis e agora se deixam para depois. Quer isto dizer o quê? Muito simplesmente que os números que nos são apresentados, tanto da actividade económica como da política orçamental, são fumo que se esvairá ao primeiro contratempo.

Durante anos ouvi dizer que o crescimento tinha de ser sustentado. Afinal, não foi porque era baseado em dívida. Agora, já ninguém se atreve a dizer tanto, mas o Governo também não age, mesmo sabendo que o que se conseguiu é insustentável. Um bom exemplo de um falso sucesso no controlo das contas públicas, e por arrasto da dívida pública, foi o alcançado por Bill Clinton, nos EUA. No seu mandato como presidente, Bill Clinton terá conseguido, através de truques contabilísticos, excedentes orçamentais nos anos de 1998, 1999 e 2000. No entanto, a dívida pública em termos absolutos, ou seja em números, continuou a aumentar. Não só os ditos excedentes não serviram para reduzir a dívida pública, como esta disparou quando o crescimento da economia foi travado com a crise da bolha da internet, no ano 2000.

Tudo para concluir o seguinte: parte do país alinha nisto, mesmo sabendo que não tem pés para andar, porque não tem outro remédio. Como o eleitorado do PS é constituído maioritariamente por quem vive na dependência do Estado, e este é gerido por um Governo que governa o país inteiro, não há muito mais que se possa fazer. Nenhum empregado, de nenhuma empresa, consegue tal feito: que o seu patrão cobre aos outros o dinheiro que utiliza para pagar o seu salário.

Perante este facto, boa parte da população não tem quem fale por ela. Daí que os cautelosos guardarão algum onde encontrem protecção. Outros, ou porque não conseguem poupar, ou porque ainda não perceberam como a coisa funciona, ficarão descalços. Todos perdem. Entretanto, a base eleitoral do Governo vai ganhando uns trocos, pronta para a indignação que virá quando o esforço dos demais não chegar para mais. Há quem veja neste intento um desígnio para o país: a subalternização de um povo à vontade dos que, viciando a democracia, se apoderam do Estado e o governam a seu bel-prazer.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.