O banho tomava-o um grego barbudo, atrapalhado com a tarefa que lhe fora entregue pelo rei de Siracusa, a cidade onde a palavra rei ganhou sinónimo de tirano. É uma história conhecida: o tirano confiou a Arquimedes, o barbudo, a difícil tarefa de perceber se o ourives que lhe fizera a coroa teria poupado no ouro. Quando se deitou na banheira, perdido no desafio, observou a água a subir, percebendo o essencial – o volume da água que transborda será igual ao volume do seu corpo. Mergulhando uma barra de ouro na banheira e depois a coroa, bastaria medir o volume da água para descobrir se a quantidade de ouro era a mesma. O matemático ficou tão eufórico que partiu pelas ruas (diz-se que tal qual saiu da banheira) gritando “eureka” – essa palavra que em grego significará, justamente, descobri.
De um Orçamento do Estado, portanto, deve esperar-se que o seu impressionante volume de páginas impeça, desde logo, que nos subtraiam riqueza, tratando por outro lado a sua análise de perceber se os diferentes desafios a que se dedica são resolvidos com inovação. Finalmente, não será exagerado esperar que o trabalho empregue na sua conclusão nos autorize a usar a célebre frase na classificação dos seus resultados.
O Orçamento do Estado subtrai riqueza?
Sendo parte da sua essência, trata-se de avaliar se a tarefa é encarada com a cerimónia de reconhecer que cada euro ali colocado pertence, em grande medida, ao esforço de criação de riqueza individual dos portugueses. Este orçamento, do que se sabe, promete reduzir impostos.
É importante explicar: o princípio da justiça redistributiva é virtuoso – consiste em assegurar que o volume de riqueza gerado por todos, e da qual todos se apropriam de acordo com as suas competências, é pesado numa balança que mede os desvios provocados pelas lotarias genéticas e sociais, esperando-se da redistribuição um novo equilíbrio que atenue as desigualdades de partida. Nessa medida, este orçamento parece fazer um esforço, ainda que permaneça sem resolver a difícil equação que permite a uma generosa quantidade de portugueses não pagar qualquer imposto devido aos seus baixos rendimentos.
Por outro lado, um orçamento subtrai riqueza quando as regras que impõe geram os incentivos errados. Por exemplo: carregando em taxas e taxinhas no momento de criar empresas vai limitar certamente o espírito empreendedor do mais enérgico dos nacionais. Não parece ser o caso, esperando-se igualmente a redução de 1 ponto percentual na taxa de IRC.
Não é isso, porém, que desatará o fio de uma economia que cresce menos do que o seu potencial, o que complica tudo. É que para libertar esse potencial um orçamento deve combinar medidas do lado da receita e do lado da despesa, o que nos conduz de regresso ao banho de Arquimedes.
Os desafios são resolvidos com inovação?
Sabendo que a maior parte da discussão sobre este ponto estará centrada na histérica liturgia dos políticos que se sentam no parlamento, sempre obcecados em dizer apenas aquilo que acham que os seus eleitores querem ouvir, o problema tenderá sempre a complicar-se. Um orçamento, por mais manejo de contabilidade pública que exija, é sempre um instrumento político, pelo que os euros que destina a um conjunto de escolhas é sempre feito em detrimento de outras.
Tal como acontece com as despesas de uma família, também o orçamento tem um conjunto de gastos rígidos – a Educação, a Saúde, a Segurança Social, a Administração Pública e a Defesa e segurança. Estas representam, grosso modo, quase metade dos gastos, e enquadram-se na dimensão virtuosa da justiça coletiva.
Uma boa fatia da outra metade destina-se às medidas orçamentais desenhadas para animar a economia. E parece ser nestas que o Governo quer concentrar toda a sua energia. Isto, parecendo pouco, vale muitíssimo – considera uma metade com a dignidade que merece e concentra-se na outra, confiante que, acertando nas medidas, desbloqueará riqueza em vez de a subtrair: de que forma estas podem dinamizar maior produtividade e competitividade? Ou incentivar a capitalização, sem esquecer a redução dos célebres custos de contexto, marcados, quase sempre, pela forma como a justiça funciona?
Se a história fosse apenas essa dinâmica que se repete, a solução consistiria em promover banhos de imersão em quantidade. Não sendo certo que o seja, é na resposta a estas perguntas que se julgará o trabalho do Governo neste orçamento. O que se sabe?
Da leitura do programa do Governo, parece existir aqui grande ambição, boa parte dela centrada no Banco Português de Fomento, desenhado agora como um banco soberano de desenvolvimento. Na falta de riqueza soberana, portanto, como a que existe em recursos naturais nuns quantos países, trata-se sobretudo de orientar o dinheiro privado, por um lado, e o europeu, por outro, para medidas que criem mais valor do que as alternativas. É este o jogo: apostar em A em detrimento de B na convicção de que isso gerará mais riqueza coletiva.
Em Portugal haverá cerca de seis milhões de empregados – o seu bem-estar depende de leis que protejam o trabalho, claro, mas depende igualmente de medidas que incentivem os seus empregadores a ser mais eficientes e a investir mais capital. Um Banco de Fomento tem tudo para ser uma ferramenta crítica – concentrando em si esses dinheiros públicos, a sua função deve consistir em encontrar modelos que atraiam o capital dos privados.
Haverá inovação em muitas medidas – será interessante perceber se a promessa do Governo de criar um fundo de fundos avança, sendo certo de que o internacionalmente conhecido private equity, entre nós denominado de capital de risco, fará pela economia portuguesa o que faz pelas economias internacionais: multiplicar o valor acrescentado das empresas onde investe. Isto consegue-se com escala: em Portugal (para se ficar com uma unidade de medida, o país da Europa com menor peso do capital de risco no seu PIB – sim, abaixo da Hungria, da Polónia e da Grécia), as empresas investidas por estes fundos geram dez vezes mais vendas, empregam nove vezes mais pessoas e geram 2,5 vezes maior rentabilidade do que a média das empresas nacionais. Mais eficácia do que isto será difícil. E com inovação, uma vez que não foi feito antes.
Um Orçamento Eureka
Resumindo, que o banho já vai longo, e sabendo-se já que este orçamento promete gerar um excedente orçamental de 0,1%, faltará compreender a entrelinha dos números que traduzem essas apostas no crescimento da nossa economia. Não se trata de virar à direita ou à esquerda: trata-se de acreditar que também é papel do Estado gerar os incentivos adequados para que as empresas funcionem melhor. O programa de Pedro Nuno Santos acreditava que os incentivos seriam mais eficazes escolhendo os setores da economia que deveriam receber apoios. Este Governo parece ter mais fé na liberdade empreendedora de muitos portugueses. Se assim for, o banho terá valido a pena.