De acordo com a definição constante na wikipedia, o Paracetamol é um fármaco com propriedades analgésicas, mas sem propriedades anti-inflamatórias clinicamente significativas. As doses recomendadas são bastante seguras, mas o seu baixo preço e a facilidade de aquisição pelos doentes têm provocado o aparecimento de alguns casos de sobredosagem, embora em pequeno número. Não provoca euforia nem altera o estado de humor do doente, não causa problemas de dependência, tolerância e síndrome de abstinência.

A proposta de Orçamento apresentada na passada sexta-feira parece um receituário de Paracetamol. E uma proposta com efeitos analgésicos, aparentemente inócua, que não resolve qualquer problema de fundo.

Primeira nota de destaque, o fraco crescimento. Com efeito, entrando no segundo ano de mandato, constata-se que o crescimento económico – 1,2% este ano, no melhor dos cenários, e 1,1% para o ano – continua inferior ao do último ano do governo de Passos Coelho (1,5%) e que o investimento público e privado fugiu para outras paragens. Em 2015 cresceu 4,5%, em 2016 irá decrescer 0,7%. E fugiu pela inversão de algumas políticas, por falta de confiança, instabilidade e perceção negativa do novo rumo político.

Segunda nota de destaque, a inversão de política económica, assente numa aparente redistribuição de rendimento e suportada em grande parte pela carga fiscal. Com uma dívida pública monstruosa, um Estado ineficiente e sobredimensionado, uma justiça lenta, alguns setores a viver de rendas, uma regulação ainda relativamente incipiente, um setor financeiro debilitado e uma carga fiscal absolutamente desadequada para a dimensão do nosso Pais, parece pacífico que dificilmente conseguiremos sair deste marasmo apenas com Paracetamol, ou melhor, discussões inócuas sobre redistribuição de rendimentos ou calibragens de um sistema fiscal que impõe um garrote sobre particulares e empresas.

Veja-se o caso do benefício para criação de empresas no interior: são 600 euros de IRC a menos. Não deve chegar para pagar os custos adicionais de combustível e portagens. Fumaça para disfarçar o agravamento do IMI para as empresas, matéria a que voltaremos num artigo em separado. O tema justifica uma análise detalhada do que está em cima da mesa.

Pior que tudo, temos estes resultados económicos num contexto de taxas de juro negativas e combustíveis baratos – ainda que aqui também prejudique as nossas exportações. E temos estes resultados pois quem investe olha para os números macro, analisa os principais indicadores e foge de personagens como Mariana Mortágua. O que esta deputada afirmou a propósito do imposto sobre o património – que afinal agora continua a ser IMI sob a forma de adicional (uma criatividade lusa, entre adicionais e sobretaxas) – deve ficar registado sobre o que não dizer publicamente aquando de um anúncio de mais um imposto.

Mas Mariana tem razão: há muito que se vem perdendo a vergonha de tributar quem tenha a ambição de criar ou acumular alguma riqueza em Portugal. Esta expropriação de recursos é indispensável para alimentar o monstro estatal que nos consome a todos, em particular a nossa classe média. Temos um Estado para nos deixar a todos mais pobres, em vez de uma sociedade que incentiva que todos sejamos mais ricos.

Aqui não há inocentes, pois ninguém quer mudar verdadeiramente o atual estado das coisas. A reforma do Estado é hoje um dossiê arrumado na gaveta por esta maioria, com o beneplácito da oposição. Mexe com as clientelas partidárias e noutros casos com o eleitorado tradicional de alguns partidos. Contudo, enquanto não mexermos nas funções do Estado, definirmos uma política coerente para o setor público, prioridades e limites ao investimento público e as funções essenciais do Estado, não deixaremos de ter orçamentos a Paracetamol, em que tudo muda para deixar tudo verdadeiramente na mesma. Inclusive o nosso empobrecimento coletivo e as profundas desigualdades que grassam e minam a nossa sociedade como um todo.