Está apresentado o Orçamento Geral do Estado para 2024. Surpresas? Nem por isso e tal não seria de esperar num país com ainda fracos níveis de crescimento económico – real e potencial – inserido numa conjuntura externa em desaceleração, fortemente dependente do Estado como mitigador das carências sociais e, embora numa trajectória consistente de descida, evidenciando uma elevada dívida pública em percentagem da riqueza nacional.

Por isso, a meu ver, a proposta de Orçamento é prudente q.b. e revela também, quase “obrigatoriamente”, tonalidades de alívio para as famílias, porque não algo “eleitoralista”.

Prudente porque mantém o equilíbrio orçamental como trave-mestra para libertar fundos que, de outra forma, seriam afectos a encargos com juros a fim de acorrer a futuras necessidades mais estruturais ou meramente conjunturais e, em paralelo, como factor mitigador do risco da turbulência dos mercados financeiros (não se esquece a crise de há poucos anos que nos trouxe a troika!).

Revela mesmo que futuros excedentes orçamentais devem ser alocados – em detrimento da despesa corrente – a um fundo que assegure necessidades de mais longo prazo, designadamente no que toca ao investimento. Facto este que na atual situação gerou alguma controvérsia.

Eleitoralista q.b. de certa forma sim, até porque tem havido, nesta conjuntura difícil, uma pressão constante – desde logo dos partidos da oposição – para uma urgente melhoria de rendimentos focada na classe média, que tem sido vítima de fortes pressões fiscais numa altura em que a inflação vinha corroendo o seu próprio relativo bem-estar.

Ora, esta compreensível pressão está encarada nesta proposta orçamental, designadamente com uma proposta de alívio fiscal do IRS – o imposto que gera maior receita – com reduções de taxas até ao 5º escalão (tal não obsta a que todos os contribuintes de escalões de maior rendimento acabem por ser também beneficiados ainda que mais ligeiramente), com actualizações dos escalões de rendimento versus inflação esperada, com incentivos específicos aos jovens trabalhadores, os quais podem beneficiar de significativas reduções de IRS nos primeiros cinco anos e atividade profissional (entre outros incentivos de menor relevância), etc..

Será todo este alívio suficiente? Naturalmente que não, mas aqui temos de voltar a invocar o já referido: baixo crescimento económico, elevado endividamento do Estado, necessidades de apoios sociais que não podem ser desprezadas sob pena de se atingirem limiares de pobreza socialmente insustentáveis.

Muitos fazedores de opinião dirão, entretanto, que se de facto existe um alívio no IRS nem por isso a carga fiscal diminui. E, na realidade, ela irá previsivelmente atingir os 38% do PIB, fruto de um aumento de 4,8% da receita fiscal,, onde sobressaem os impostos indirectos.

Mas se estes impostos indiretos, em teoria, afetam toda a população (o que é injusto para os mais desfavorecidos), também é de realçar que o grosso da colecta está centrado no IVA, que tem taxas discriminatórias em função da natureza dos bens e serviços, recaindo o agravamento noutros impostos deste tipo com receitas bem menos relevantes (v.g. ISV, Imposto sobre tabaco, Imposto selo, IUC, etc.), os quais no seu conjunto permitirão arrecadar cerca de 40% da coleta do IVA.

Não valerá muito a pena dramatizar os 60 mil milhões de receita fiscal a arrecadar quando há um desagravamento do IRS e quando a causa das receitas do IVA (prevê-se +7,9%) está, naturalmente, na própria dinâmica das transacções económicas.

E tudo isto num quadro, sobretudo, de uma estrutura de despesa pública que carece de ser racionalizada – o que está pendente há décadas e só terá efeitos no médio prazo – cujo nível impõe por razões de equilíbrio orçamental um correspondente nível de receitas fiscais e para fiscais.

Contudo, importa referir em particular que, no segmento das empresas, nada se prevê em termos de descida generalizada do IRC (há situações especiais para empresas que obedecem a determinados requisitos), e para além de promessas para uma efetiva e rápida capitalização das empresas (um aspecto fulcral num tecido de PME), para uma redução das tributações autónomas e para a implementação de alguns incentivos em função da valorização salarial pouco mais se vê, à primeira vista, o que não retira relevância às medidas previstas.

Pode concordar-se com aqueles que criticam a falta de empenho fiscal – e não só – na competitividade das empresas em geral, mas, de facto, o IRC é o terceiro imposto com mais valor cobrado e a “manta” não pode cobrir tudo. Acresce que para o principal partido da oposição, a prioridade nos últimos tempos recaiu na descida da carga fiscal de IRS sobre a classe média, e o Governo terá tomada a mesma opção.

Numa palavra simplista, direi que esta proposta de Orçamento, sendo consistente e prudente, não poderia, de momento, introduzir alterações de grande teor. E basta olhar para o cenário macroeconómico subjacente: o crescimento económico volta a ser fraco, em torno dos 1,5% (também, naturalmente, vítima da conjuntura económica europeia que acabou por sofrer as políticas restritivas anti-inflacionistas imposta pelo BCE), com contributos mais diferenciados face ao ano anterior apenas no crescimento de 4,1% do investimento (com probabilidade de os efeitos da execução do PRR se sentirem com mais acuidade), e na redução do crescimento das exportações (+2,5% versus 4,3% em 2023) a que não é obviamente alheio o abrandamento significativo da evolução económica nos mercados de destino.

Note-se que, apesar da baixa do IRS, a respectiva receita fiscal pouco baixa, fruto da evolução económica e da manutenção de fortes níveis de emprego. Será caso para dizer que, com este enquadramento, não se podem esperar milagres!

Apostar na continuidade cautelosa parece ter sido o caminho, com alguma injecção de liquidez, que assegura um aumento (ligeiro) da procura interna, incluindo o aumento –sempre insuficiente – dos apoios sociais (v.g. complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção, abono de família), desde logo expresso na atualização do IAS.

Segundo a proposta de Orçamento, haverá reforço em áreas como a saúde, educação, justiça, defesa, etc.. Mas como tem vindo a notar-se – e o caso da saúde é paradigmático – não é só com dinheiro que se resolvem graves problemas. Há toda uma problemática de organização, gestão e mais de fundo de racionalização da despesa pública que urge enfrentar. E tal não seria de esperar num documento anual como o agora proposto, nesta conjuntura.

Mas não deixo de expressar a minha estranheza sobre a omissão do ministro das Finanças – aquando da apresentação do Orçamento, no que se refere à forma como será encarada a resolução da grave instabilidade nos sectores da saúde e da educação, cujas negociações com as estruturas representativas já decorrem há largo tempo e para as quais haverá que arranjar uma solução de equilíbrio razoável rapidamente, sob pena de este Governo arriscar-se a não entregar resultados visíveis em áreas de serviço público tão básicas num Estado Social.

Dir-se-á que este é um problema das pastas sectoriais a cujas necessidades o Orçamento terá encontrado resposta, mas, mesmo assim, o tema deveria ter sido abordado explicitamente. Claro que a relativa escassez de investimento público nos últimos anos se alarga a outros domínios, mas, de momento, quero realçar aqueles dois sectores fundamentais.

Finalmente, poderá o país contar com a iniciativa empresarial privada, como factor primordial do seu crescimento económico sustentado? Claro que não se trata de poder, mas sim de dever. Aqui, o Governo deveria logo que possível criar um ambiente mais leve para a actividade empresarial (reclamação sempre presente nas confederações patronais), cabendo aos empresários dotar-se de iniciativa, risco e know-how para gerar competitividade e aumento da produtividade da economia.

A negociação de aumentos salariais feita na concertação social (a par dos aumentos na administração pública), sendo uma preocupação da política económica, parar evitar de vez o carimbo da atratividade via baixos salários, possibilita também o aumento de receitas fiscais, além de se traduzir, sobretudo, num grande desafio para os próprios empresários nos vetores do dimensionamento empresarial, da inovação tecnológica, da organização e gestão, etc..

Diz o Governo que são três os grandes pilares subjacentes a este Orçamento 2024: mais rendimento (atenção, o aumento das pensões é uma obrigatoriedade legal), mais investimento e melhor futuro. Quanto aos dois primeiros transparece uma tentativa. Quanto ao melhor futuro, veremos…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.