A ignorância afecta a todos. É por isso importante reduzir a nossa ignorância sobre a ignorância. A ciência da ignorância distingue alguns conceitos importantes. Desde logo, existe a ignorância primária (o indivíduo não sabe que é ignorante) e a ignorância reconhecida (o indivíduo sabe que é ignorante).

Em termos gerais, a ignorância refere-se a ausência de conhecimento sobre algo ou alguém, e a uma incapacidade, impossibilidade ou desinteresse em adquirir esse conhecimento. Assim, pode dizer-se que existe a ignorância consciente, estratégica e fingida. Comecemos pela última, a ignorância fingida.

Os exemplos abundam em qualquer das vergonhosas comissões de inquérito, ou mais recentemente, quando certos políticos não se recordam como votaram no parlamento matérias relativas às ajudas de custo dos deputados, ou afirmam ignorar se aprovaram remunerações de gestores públicos. Esta é a típica memória selectiva que afecta tanta gente em cargos de responsabilidade, públicos e privados.

A ignorância consciente, por outro lado, passa por uma recusa em querer saber. Este tipo de ignorância pode ter algo de estratégico. Por exemplo, um indivíduo pode recusar-se a saber mais sobre o que se passa na Síria, na Ucrânia ou na Faixa de Gaza, porque isso irá provocar desconforto emocional. O Ministro ou Secretário de Estado pode evitar sair do gabinete e confrontar histórias reais de pobreza. Um magistrado do Ministério Público pode preferir não saber, para não ter que agir. É o tal “longe da vista, longe do coração”.

Já a ignorância estratégica tem especial interesse. Muitas vezes, as pessoas preferem focar atenção em aspectos que reforçam as suas crenças e ideologias e ignorar aspectos que as colocam em causa. O Bloco de Esquerda ao votar contra medidas que reforçam a literacia financeira da população está, precisamente, a fazer isto. Aqueles que negam as alterações climáticas enquanto resultado da acção humana, ignoram um acumular de evidência e consenso científico sobre a matéria.

Mais. Os média capturados por vieses ideológicos, utilizam a ignorância estratégica com particular afinco. As empresas e organismos públicos que realizam reporte selectivo também (em Portugal, a transparência é baixa). Mas a ignorância estratégica tem uma dimensão colectiva também. A ignorância estratégica pode ser definida como uma habilidade estrutural de explorar incógnitas no ambiente, com vista a adquirir mais poder ou recursos. Estou convencido, por isso, que a ignorância devia ser regulada.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.