Um mês após arrancar o Plano Nacional de Vacinação no país, chovem casos de utilização indevida das vacinas de Norte a Sul. A utilização indevida, desvio e abuso de vacinas para a Covid-19 é dos mais abjectos crimes.

O Plano Nacional de Vacinação é um retrato da desorganização do Governo em algo que não podia falhar e, também, um retrato grotesco do país do chico-espertismo com o número de casos caricatos a multiplicarem-se.

A vacinação da diretora da Segurança Social de Setúbal, Natividade Coelho, que recebeu a vacina e autorizou a vacinação de 126 funcionários do organismo público; José Calixto, presidente da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, incluído numa lista de funcionários e utentes a vacinar enviada pelo lar onde um surto levou à morte de 18 pessoas; o director regional do Norte do INEM, António Barbosa, que decidiu vacinar 11 funcionários de uma pastelaria; o administrador de um hospital de Famalicão, Salazar Coimbra, que inoculou a mulher e a filha e colocou amigos na lista; a presidente da Câmara Municipal de Portimão, Isilda Gomes, que se autoincluiu na vacinação. Até os padres da Misericórdia de Trancoso não resistiram ao pecado de avançar para a inoculação sem serem prioritários.

Eis parte da lista das pessoas que jamais deveriam ter acesso a um cargo público pela falta de humanismo no crime de desvio de vacinas. Roubar uma vacina a uma pessoa prioritária não é só crime, é moralmente reprovável, é abjecto.

A Procuradoria-Geral da República confirma a instauração de nove inquéritos, mas o número peca de certeza por defeito. A utilização indevida não mina só a confiança dos cidadãos no sistema, é um crime grotesco que merece uma punição muito mais pesada que os cinco anos previstos.

Mas que conclusões tirar quando o próprio (ex-)coordenador do Plano Nacional de Vacinação, Francisco Ramos, tem o desplante de declarar que “não é competência nem preocupação da task force andar à procura de quem faz batota”, acabando por ser obrigado a renunciar ao cargo por irregularidades detectadas pelo próprio no processo de seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, do qual é presidente da comissão executiva… Só não é anedota porque o caso é trágico.

Mas mais grotesco ainda é o processo de vacinação em curso premiar os prevaricadores na medida em que, exigindo a vacina que seja administrada em duas tomas, a segunda dose terá de ser aplicada mesmo a quem a tomou indevidamente, caso contrário serão desperdiçadas. É caso para dizer que o crime compensa.

Mas depois dos casos de vacinação indevida, o desnorte na aplicação do plano de vacinação e a demissão do seu coordenador no dia em que o primeiro-ministro anuncia que o plano não poderia estar a correr melhor, o absurdo atinge o seu pleno quando sabemos que escasseiam as seringas porque o Governo não antecipou a compra para administrar as vacinas.

Muitos morreram vítimas do vírus Covid-19, mas quantos mais vão morrer inutilmente vítimas da incompetência do Governo?

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.