Os tempos têm corrido de feição para a marca “Portugal” no mundo. Já não vivemos apenas e só da nossa secular história de corajosos descobridores.
Goste-se ou não do legado de Guterres como político nacional, é com orgulho que devemos assistir à sua eleição por aclamação para o cargo mais alto da diplomacia internacional. Aqui já nasceram prémios Nobel da Paz e seria isso que gostaria de ver atribuído um dia ao secretário-geral português.
Temos o melhor jogador do mundo de futebol, a nossa seleção superou-se e brindou-nos com a vitória do Euro, em casa do adversário, com sangue, suor e lágrimas e, essencialmente, alimentada pela energia de um povo espalhado pelos quatro cantos do mundo.
Tanto exportamos produtos da terra com sabor a terra, como tecnologia de ponta. Mas, essencialmente, somos um extraordinário fornecedor de capital humano, normalmente reconhecido como honesto, preparado, flexível e trabalhador.
Até já exportamos uma espécie de “way of living” em Portugal. Quem nos visita – e todos nos querem visitar nos dias que correm –, dificilmente esquece a autenticidade que ainda encontra por aqui, associada a infraestruturas de nível europeu e temperada por um clima imbatível.
Nada disto é de somenos para um pequeno país geograficamente periférico.
Mas é tão impressionante a capacidade de o “ser português” se impor no mundo, como a incapacidade que tem em se governar cá dentro. Somam-se os exemplos do sucesso português em sociedades meritocráticas. Somos capazes de subir sem medo o elevador social em sociedades mais livres e liberais mas, por aqui, num modelo menos assente no mérito, é extraordinariamente difícil nascer pobre e morrer rico.
E porquê?
Temos um problema de dimensão e mercado. Os quilómetros quadrados do nosso retângulo não são suficientes para gerar riqueza assinalável.
Temos um problema histórico. Vivemos décadas de uma ditadura saloia, retrógrada e desconfiada do capitalismo. Depois passámos para a democracia, mas não sem antes o PREC destruir o que tínhamos de bom no tecido económico. Recomeçámos do zero e entrámos no capitalismo sem dinheiro, em tempos de crédito fácil. Endividámo-nos monstruosamente.
Temos um problema político e de conceção do Estado. Portugal é o único país ocidental que ainda tem um partido comunista ortodoxo, com poder e influência. Pior: no resto do espetro não tem um único partido (da direita à esquerda) que não desconfie, assumidamente ou nas entrelinhas, da riqueza.
A presença do Estado é brutal. Passamos meses e meses a discutir o anterior, o atual e o próximo Orçamento do Estado como se não houvesse nada de mais importante para Portugal. E, se calhar, não há mesmo – o que é revelador, atendendo a que raramente chegam boas notícias para a economia nesse documento.
Temos, assim, um Portugal, mas dois países: o que se impõe para fora e lá fora. O que teima em não sair cá de dentro como se fosse uma doença crónica incurável.