Há uma década e meia Thomas Friedman convenceu-nos de que caminhávamos para um mundo fluido e sem barreiras. Hoje, o sentimento dominante é o contrário: está a instalar-se na sociedade uma cultura de bloqueio.
Em lugar de procurar soluções negociadas para os principais problemas do mundo, os líderes políticos preferem proibir, trocar desafios e promover cenários de confronto que mais lembram as corridas suicidas de carros nos filmes juvenis que a suposta seriedade de quem recebeu a missão de governar um país.
Sofremos estes “games of chicken”, por exemplo, na política espanhola, em que os partidos com possibilidade de governar ameaçam com a convocatória das quartas eleições gerais em quatro anos sem conseguir negociar os apoios necessários para uma investidura; ou na relação entre a América de Trump e a China de Xi, com ameaças, proibições e represálias em âmbitos que evoluíram da agricultura à tecnologia de ponta.
Um mundo com tão alto nível de fragilidade social, financeira e ambiental não se pode dar o luxo de aumentar a tensão entre as principais potências ou de entrar em ciclos recorrentes de paralisia que podem afetar irreversivelmente decisões e soluções. Neste âmbito, a União Europeia, com todos os seus defeitos, acaba por ser um exemplo excecional de negociação e facilitação de acordos.
Infelizmente, o cinzentismo europeu não enche as redes sociais nem entretém os seus seguidores: são as atitudes arrogantes que dominam o circo mediático e, por essa via, acabam por propagar-se a todos os âmbitos da sociedade, inspirando, e às vezes enquistando, uma cultura de confronto.
As tecnologias transformacionais são um terreno fértil para esses enfrentamentos. Mas a tentativa de isolar os fabricantes chineses de equipamentos 5G, que é um dos capítulos mais visíveis da guerra comercial, parece responder a interesses mais profundos: a perda da liderança tecnológica por parte das empresas americanas num âmbito basilar para a transformação digital da sociedade.
À diferença da China, os Estados Unidos de América não têm tido uma estratégia nacional de inovação. Paradoxalmente, as poupanças dos chineses, canalizadas durante décadas para financiar a dívida americana a taxas baixas, poderiam ter garantido os meios necessários para financiar este tipo de programas, mas acabaram por desviar-se para o consumo e para a especulação imobiliária que provocou a crise financeira de que ainda hoje estamos a recuperar.
Num cenário em que ainda não percebemos se as empresas chinesas são aliadas ou cavalos de Troia, não seria descabido impulsar políticas para organizar as capacidades tecnológicas no domínio das comunicações. Esse novo “Projeto Manhattan” deveria ter como objectivo recuperar, de forma acelerada, a desvantagem ocidental nas tecnologias críticas de comunicações.
Pode-se alegar que produzir a bomba atómica foi uma questão de sobrevivência e levar o homem à Lua serviu para ilustrar uma narrativa poderosa de supremacia americana. Mas as novas tecnologias 5G, embora de forma menos visível e aparentemente banalizada, serão igualmente determinantes para a defesa do nosso modelo político e social tal como as tecnologias militares que protagonizaram as epopeias do século XX.