A propósito da campanha eleitoral que aí vem, lembrei-me de um provérbio chinês que diz que o homem medíocre discute as pessoas, o homem médio discute factos e o homem sábio discute ideias.

Um dos problemas da democracia portuguesa é a falta de qualidade do debate político aos mais diversos níveis da sociedade, desde as redes sociais, culminando na Assembleia da República. Em vez de ideias sérias e construtivas, articuladas coerentemente em torno de visões da sociedade e do seu futuro, confrontando os seus méritos relativos para permitir uma tomada de posição consciente e informada (no fundo, uma discussão ideológica), analisam-se factos e dados estatísticos, tantas vezes distorcidos ou interpretados segundo conveniências de momento, ou, o que é mais frequente, destacam-se questões e vícios pessoais dos “políticos”.

Claro que os factos e os dados estatísticos relativos ao exercício da actividade económica ou política são importantes. Configuram o retrato actual do País, e ajudam a formar uma ideia sobre a competência das pessoas que estiveram no Governo. Através do escrutínio de aspectos relativos à sua vida pessoal e patrimonial conhecemos melhor o carácter das pessoas que ocupam ou pretendem ocupar cargos públicos, e podemos decidir se essas pessoas merecem o nosso voto. Tudo isso tem lugar na discussão política. O problema é a forma, sem regras nem critérios, como essa discussão é tida.

Os comícios, debates e intervenções de campanha dão-nos uma ocasião para estarmos com atenção ao que se discute. Mas não estou à espera de grande coisa.

Já ouvi da parte de um responsável partidário que o programa do adversário é um conto de fadas. A frase nem sequer é original. A imagem já tinha sido usada antes por outro partido. É um bom soundbite, mas não passa disso. Como indicador do nível do que aí vem, é triste.

Não nego que algumas das propostas que vieram a público parecem, de facto, milagrosas. O problema é que não é um exclusivo, vêm de todos os lados. E descrevem cenários de base manifestamente diferentes, consoante quem as apresenta, dado que assentam em leituras parciais e enviesadas das estatísticas – e cá estamos outra vez na discussão de factos – que parecem pensadas para induzir uma reacção emocional.

A discussão não é ideológica, é assente em factoides, não em ideias. Mas a desvalorização das ideologias em favor, por exemplo, da meritocracia, também é uma posição ideológica. O problema é que fazer política sem ideologia é como fazer economia só com contabilidade…

De que país estamos a falar? Para além de factoides isolados que resultam de aparências e que suportam propostas eleitorais viradas para responder a questões conjunturais (os “problemas que é preciso resolver, porque é o que interessa à vida das pessoas”), não existe um verdadeiro diagnóstico da situação de partida, nem se discute a sociedade que queremos, ou como lá chegar.

Como se pode propor uma redução de impostos, acreditando que irá provocar um aumento do ritmo do crescimento económico, sem se discutir o Estado, o seu papel e a sua dimensão, de que deriva a necessidade do seu financiamento? Sem, ao mesmo tempo, apresentar propostas para controlar a economia informal, que representa 35% do PIB, e alterar fundamentalmente a estrutura produtiva do país para que a produção de maior valor suporte a melhoria de salários e rendimentos? Aguardemos. Vem aí mais do mesmo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.