A usurpação do centro político feita pelo ex-governante socialista com vocação liberal – o reeleito presidente francês Emanuelle Macron – à custa do apagamento da tradicional direita republicana, bem como do frágil Partido Socialista francês (PSF), gerou uma oposição de extremos, quer do lado da direita (protagonizada pela candidata presidencial derrotada, Marie Le Pen) quer do lado da esquerda, encabeçada por Mélenchon, que liderou nas recentes eleições legislativas uma “coligação” (será consistente?) onde, para além da sua França Insubmissa, convergiram comunistas, socialistas do PSF e ecologistas, sendo que os vectores programáticos desta união das esquerdas são claramente anti-Nato e anti-UE.
Com previsível mas suficiente perplexidade, dadas as alternativas existentes, colocava-se a questão sobre o que ocorreria nas eleições legislativas que se seguiam. Pois bem, os resultados da primira volta – que são mais lineares para efeitos de análise política, dadas as características do sistema francês numa segunda volta – confirma este posicionamento: 25,78% para o partido do Presidente Macron, 25,66% para a União das esquerdas de Mélenchon, 18,68% para a União Nacional de Marie Le Pen (que somado aos votos da extrema-direita do Reconquistar perfazem 23% para esta corrente política), 10,42% para os Republicanos (direita republicana conservadora).
Vive-se pois num quadro político em que, segundo os resultados da primeira volta eleitoral, a área do centro – corporizada num só partido – situa-se praticamente próxima de cada um dos blocos extremistas da esquerda e da direita, os quais evidenciam princípios dificilmente conciliáveis com o partido do Presidente. Na segunda volta eleitoral, Macron acabou por ganhar com 26%, uma maioria relativa demasiado curta, dado o peso relevante dos extremos, pelo que tentará alianças pontuais, previsivelmente com a “pouco receptiva” direita republicana.
As ilações para o xadrez político nacional, onde ainda parece manter-se a possibilidade de dois partidos de centro (um mais à esquerda e outro mais à direita), soam a sinal de alerta. Ou seja, a meu ver há que manter com solidez, transparência e espírito reformista q.b. uma saudável disputa democrática entre PS e PSD. Será isto exequível?
Do lado do espectro político da esquerda vemos um PS forte – com características de hegemónico, que deixará muito provavelmente de o ser após dez anos de poder – agora separado duma esquerda mais radical enfraquecida após os últimos resultados eleitorais, mas com potenciais apoios de partidos ainda emergentes duma esquerda europeísta e ecológica.
Por sua vez, do lado da direita política parlamentar a situação indicia importantes perplexidades num contexto em que se aguarda o posicionamento político da nova liderança do PSD (os primeiros sinais parecem evidenciar um balanceamento mais à direita que poderá trazer algumas dificuldades na fidelização de eleitores mais centristas), a capacidade de articulação da Iniciativa Liberal com um PSD porventura mais fortalecido, a possível superação de permanentes conflitos internos vividos no Chega (extrema-direita) que, a concretizar-se, viabilizará mais facilmente o aproveitamento das vulnerabilidades atuais da direita moderada conforme se tem constatado por essa Europa fora.
O comportamento futuro do PPD/PSD poderá contribuir – ou não – para instalar o “caldo de cultura” para a construção duma Frente de Direita (com pendor mais radicalizado), o que de per si poderá conduzir à resposta quase inevitável duma nova espécie Frente de Esquerda, que os agentes económicos e sociais não tendem a apoiar.
Pelo que PS e PSD devem apresentar-se como partidos diferentes mas com vocação “central” de liderança alternativa, com alianças pontuais também diversas, para que o país disponha de soluções políticas moderadas. Que se evite, o mais possível, o quadro em que se move o sistema político francês, e por isso a coexistência de dois partidos com vocação central mas diferenciados é de sobeja importância.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.