Há uma semana e meia, o Governo saiu da reunião das Nações Unidas sobre o clima com o compromisso de fechar as centrais elétricas a carvão de Sines e do Pego, até 2030. Note-se que estas centrais são especialmente ativas quando não há água para abastecer as barragens, e, neste ano de seca, a REN indica que forneceram quase um terço do consumo nacional, o que traduz o enorme esforço que o compromisso indica.

Na mesma reunião, Portugal fundou a Aliança para a Descarbonização dos Transportes, através da qual se pretende, entre outras coisas, desenvolver formas de apoio a transportes que usem combustíveis mais limpos, como por exemplo os automóveis elétricos. Um mês antes, António Costa também apresentara o arranque dos trabalhos do “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050”, sobre o qual tinha já colocado a primeira pedra ainda em 2015, na prestigiada COP23 em Paris. Neste enquadramento, parece muito claro que o Governo terá uma linha orientadora com a intenção de libertar o crescimento económico das emissões de gases com efeito de estufa.

Quando o PS aprovou na especialidade, na passada sexta-feira, a proposta do Bloco de Esquerda para o alargamento da contribuição extraordinária sobre o setor energético, vulgo CESE, genericamente relativo às eólicas, a minha estupefação foi tanta quanto a reação inflamada das redes sociais à reviravolta que se deu a seguir, com a não aprovação desta taxa na votação final do Orçamento do Estado para 2018. De facto, no meu registo ambientalista pró-renováveis, custar-me-ia aceitar taxas ligadas à estratégia de descarbonização acima referida, mesmo pela razão válida que aparenta ser a do controlo de monopólios.

De facto, quem lê as notícias recentes por certo fica a pensar que todos os parques eólicos do país pertencem à EDP Renováveis. Uma breve pesquisa ao site da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), cujos associados são uma boa amostra pois representam 90% da produção renovável do país, mostra que aquela empresa tem realmente a maior fatia como promotora de parques eólicos, correspondente a 23,3% da quota de mercado desta tecnologia. Este não será um valor assustador a priori, e um cálculo imediato e simplificado do índice de avaliação da concentração num mercado (Herfindahl) indica um setor não concentrado (0,11), ou, permitindo alguma margem de erro, de concentração moderada.

É certo que a EDP Renováveis terá uma influência política, e de mercado, muito maior que qualquer outra produtora eólica, o que poderá qualificar esta situação como de empresa dominante com franja competitiva, que requer regulação para evitar que se renove o monopólio da EDP por esta via. É também sabido que a EDP processou o Estado pela suposta ilegalidade da CESE, e que essa foi indiretamente a razão apresentada pelo Governo para voltar atrás com a decisão inicialmente pensada.

É ainda conhecido que a EDP Renováveis apresentou recentemente um grande crescimento dos lucros e que, em finais do mês passado, viu aprovados 50MW de produção de energia eólica, suportados por tarifas garantidas, ao contrário do que afirmou António Sá da Costa, da APREN, dizendo que não eram atribuídas desde 2007. A justificação, que não tem qualquer sentido do ponto de vista técnico nem do ponto de vista económico, foi que, como o projeto diz respeito a um licenciamento de 2008, utilizaram-se as regras dessa altura.

Lembro que estas tarifas garantem uma remuneração fixa por produção elétrica renovável, independente do valor de mercado, por forma a suportar o investimento. Foi, em grande parte, esta forma de subsidiação que criou a atual dívida tarifária, o que levou à sua descontinuação por causa das tecnologias já serem rentáveis quando pagas, pelo consumidor, a preços de mercado.

A medida do Bloco de Esquerda aplicar-se-ia então aos parques já instalados e aos 50MW referidos. A única forma de ser aplicada aos novos parques, que António Sá da Costa disse terem desistido, seria se também estes pudessem beneficiar de tarifas garantidas. Portanto, se o Bloco de Esquerda terá razão em defender que não deve haver mais apoios a tecnologias que deles não necessitam, perde-a quando apenas parece reconhecer que a medida só afetaria a parte excedentária da tarifa recebida pela EDP Renováveis, que constituirá um lucro indevido.

Como não é possível analisar as centrais caso a caso para constatar se precisam ou não da remuneração adicional, muitos outros produtores já instalados seriam afetados, tal como refere a APREN. Esta situação não seria vantajosa e o percurso dos últimos anos na maioria dos países europeus, com o surgimento de muitas empresas produtoras renováveis, mostra que é possível ultrapassar o monopólio natural da produção elétrica, promovendo avanços tecnológicos de forma eficiente. Aliás, uma solução já identificada, que trouxe resultados em 2016, são os leilões de potência, que possibilitam uma valorização de mercado mais ajustada, põem os produtores em pé de igualdade e contribuem para cobrir o défice tarifário.

Em conclusão, as ideias a reter da desordem de há dias não são muitas, mas são importantes.

Primeiro, há que acabar, definitivamente, com as tarifas bonificadas, não permitindo situações como o apoio retroativo a centrais que já delas não necessitam. Se os novos parques da EDP Renováveis estiveram em standby desde 2008, então não têm a necessidade de tarifas garantidas.

Segundo, deve continuar a desenvolver-se o sentido de concorrência na produção elétrica, possibilitando a existência de novos produtores, nomeadamente do solar fotovoltaico e concentrado, energia eólica offshore e até alguma biomassa, mesmo que de tecnologias ainda não assumidamente rentáveis.

Terceiro, e ao contrário das anteriores, sendo a energia eólica muito competitiva deve continuar a ser promovida, e não restringida, dentro do devido controlo nas licenças, como por exemplo através de leilões de potência, permitindo-se assim que seja a base da eletricidade limpa que se almeja, em conjunto com a hídrica.

E, por fim, lembrar que a descarbonização é uma estratégia que exige uma aposta contínua e transversal nas renováveis e na eliminação dos combustíveis fósseis, pelo que a redução da dívida tarifária deverá ser feita por soluções como, por exemplo, novas aplicações da taxa de carbono e promoção do autoconsumo.