A vitória de Donald Trump é mais um sinal alarmante de uma doença que ameaça tomar conta das velhas democracias ocidentais. Com efeito, aceitar que o novo Presidente da maior potência mundial possa ter sido eleito com base num discurso e propostas xenófobas, racistas e sexistas não pode deixar de nos alarmar.

Não está propriamente em causa se algumas daquelas medidas serão implementadas, mas sim o seu acolhimento junto de parte tão significativa da sociedade americana. O ataque às minorias étnicas, a discriminação ostensiva do papel da mulher, o protecionismo aliado a um nacionalismo radical constituem um retrocesso perigoso na criação de uma sociedade moderna baseada na liberdade, igualdade de género, raça, credo religioso ou orientação sexual.

Trata-se de valores universais que ultrapassam a velha dicotomia esquerda/direita. Que tais valores possam ser – de forma tão ostensiva e nalguns casos mesmo chocante – colocados em crise por um candidato presidencial, mostra a crise de valores e o profundo distanciamento entre as populações e a classe política. E esse distanciamento não mina apenas a democracia americana, mas também o sistema político europeu, onde se assiste com uma inaceitável passividade ao recrudescer dos velhos nacionalismos de extrema-direita, com epifenómenos preocupantes em França, Holanda, Dinamarca ou Hungria. Países em que se discute impavidamente a expulsão de refugiados, imposição de quotas, criação de muros e barreiras ou mesmo o confisco de bens. Será que ninguém aprendeu com as lições do passado?

O contexto em que ocorre a subida de Trump ao poder não podia ser mais perigosa. O Brexit pode colocar em causa o projeto europeu a médio prazo. Recordemos que a União Europeia é (ou deveria ser) acima de tudo um projeto político para assegurar a paz neste continente. A clivagem entre a Europa e os EUA representa um perigo para a segurança europeia que não pode ser negligenciado, sobretudo quando se assiste ao recrudescer das ambições imperialistas da Rússia. Juntemos as pressões nacionalistas em vários países, a ameaça terrorista que corrói lentamente as nossas liberdades e modo de vida, a crise financeira, o desemprego de milhões de europeus, as pressões independentistas que grassam na Europa e temos um cocktail extraordinariamente perigoso.

Não foi Trump que venceu, mas sim a descrença e a falta de identificação da população americana com o sistema político. A descrença nos valores universais que nos guiam a todos e nos aproximam em termos civilizacionais. Esse muro já foi edificado pela nova administração republicana e, essa sim, é uma ameaça à paz e segurança mundiais. É preciso que todos os responsáveis políticos saibam ler estes sinais e que se introduzam profundas modificações nos sistemas de representatividade política. O enfraquecimento das liberdades individuais em nome da segurança, o funcionamento defeituoso das instituições e poderes públicos, a degradação da justiça, a falta de resposta às aspirações de milhões de jovens e desempregados, e o enfraquecimento do poder político são a sementeira perfeita para a segregação, a discriminação, o ódio e a intolerância.

Parece que todos nós já vivemos este filme, resta saber se aprendemos as lições de modo a que não se repita a História.