O Presidente da Ucrânia, Volodomyr Zelensky, tem defendido, em diversas intervenções públicas, a criação de um Tribunal Internacional especial para a Ucrânia.
Fê-lo com destaque no seu discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo elegido a criação do Tribunal e a responsabilização dos dirigentes e militares russos como um dos pilares do seu roteiro para a paz.
O Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, encontra-se a realizar uma investigação aprofundada em solo ucraniano aos crimes cometidos durante o conflito, tendo os processos já sido abertos processos e contado com a denúncia e intervenção de dezenas de estados partes, incluindo de Portugal.
Contudo, este processo conta com algumas importantes limitações. Desde logo, nem a Ucrânia nem a Rússia ratificaram o Estatuto de Roma que aprovou o Tribunal Penal Internacional.
Para ultrapassar esta limitação, a Ucrânia pediu, logo em 2014, após a invasão da Crimeia, que o Tribunal Penal Internacional aceitasse que a sua jurisdição viesse a abranger os crimes de guerra, contra a humanidade e de genocídio praticados em solo ucraniano após esse momento, o que inclui, naturalmente, os crimes eventualmente agora praticados, razão pela qual o Tribunal aceitou abrir os processos e iniciar as investigações.
Mas nessas investigações fica de fora o crime de agressão, hoje já incluído no catálogo do Tribunal Penal Internacional.
De acordo com as alterações introduzidas ao Estatuto de Roma que cria o Tribunal Penal Internacional especificamente para regular o crime de agressão, este consiste no planeamento, preparação, iniciação ou execução, por uma pessoa em posição efetiva de exercer o controlo ou dirigir a ação política ou militar de um Estado, de um ato de agressão que, pela sua natureza, gravidade e escala, constitui uma manifesta violação da Carta das Nações Unidas.
Ora, como se vê, a prova deste crime é mais simples que a dos restantes, bastando demonstrar a existência de uma agressão que constitua uma grave violação da Carta das Nações Unidas. Tendo em conta a decisão já emitida pelo Tribunal Internacional de Justiça, em sede de medidas preventivas, no caso da aplicação da Convenção do Genocídio, já movido pela Ucrânia contra a Rússia, parece que parte desta prova se encontraria facilitada.
Mas, como se referiu, o crime de agressão está fora das possibilidades de investigação do Tribunal Penal Internacional, neste caso.
É justamente esse facto que leva Zelensky a pedir a criação de um Tribunal Penal Internacional especial para a Ucrânia, para julgar os crimes de agressão.
A criação de Tribunais Internacionais especiais não é inédita. Sucedeu, por exemplo, após a Segunda Guerra Mundial, com os Tribunais de Nuremberga e Tóquio, e, mais tarde, com os Tribunais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda.
Claro que, após a criação de um Tribunal permanente, seria desejável que a criação de Tribunais “ad hoc” deixasse de ser necessária. Mas ela pode justificar-se pelas limitações ainda existentes à jurisdição deste Tribunal, com acontece no caso atual.
A criação de um Tribunal especial pressuporia um acordo entre os Estados, e a intervenção das Nações Unidas o que, no caso presente, com a oposição firme da Rússia, poderia revelar-se problemático.
Em qualquer caso, sem deixar cair as investigações já em curso no Tribunal Penal Internacional, a criação de um Tribunal especial é uma ideia que vale a pena discutir e sobre a qual faz sentido refletir.