A história de Dédalo, um engenhoso artífice ateniense, e do seu filho Ícaro, permanece ainda hoje como uma das mais simbólicas histórias da mitologia grega. Rezam os escritos que, como forma de escaparem ao labirinto do minotauro onde se encontravam aprisionados em Creta pelo rei Minos – enfurecido pelo seu engenheiro ter ajudado o seu inimigo ateniense Teseu a fugir deste mesmo labirinto, depois de derrotar e matar o minotauro, uma figura mitológica que era meio homem, meio touro –, Dédalo e o seu filho Ícaro construíram e utilizaram umas asas que, entre outros materiais, usavam uma cera que permitia consolidar a estrutura do engenho entre a madeira e penas.
Contudo, e apesar dos avisos do pai, Ícaro, deslumbrado com a fantástica visão sobre Creta foi cada vez mais alto, subiu tão alto que o sol acabou por derreter a cera, provocando a queda vertiginosa de Ícaro no mar, que acabou por morrer enquanto o seu pai observava, impotente, voando também ele para a liberdade, mas mantendo o cuidado de não subir nem muito alto, nem muito junto ao mar – que ainda hoje é conhecido como o mar Icário.
Esta história da mitologia encontrou sempre um significado interpretativo associado às causas e consequências das ambições desmedidas, ou do deslumbramento que certas situações podem criar na sociedade ou na vida de um indivíduo. Este é sobretudo um fenómeno também muito comum sobre as expectativas que muitas vezes se criam na gestão de expectativas dos investidores financeiros, ou até dos analistas, quando alimentadas por um enquadramento que parece fomentar uma continuada e imparável subida dos preços dos ativos cotados em bolsa.
Neste momento, e depois do mais longo período de subida dos mercados acionistas, existem sinais de que podemos estar a voar, de facto, demasiado perto do sol. Ainda haverá espaço para subir a altitude? E terão os investidores capacidade para evitar uma queda violenta, fruto do deslumbramento?
Por ora ainda parecem existir condições de estrutura económica sólidas…
O mundo deverá continuar a crescer economicamente, e está sobretudo a crescer de forma mais sincronizada. As estimativas apontam para um crescimento mundial acima dos 3% e, por isso, é cada vez maior a convicção de que a era das taxas de juro extraordinariamente baixas está perto do fim, e que a normalização das políticas monetárias está em curso também do lado de cá do Atlântico – independentemente de considerarmos que o ritmo desta normalização possa ser mais lento (dificilmente as taxas de juro diretoras subirão antes de 2019).
… e a normalização monetária chegou para ficar, embora a ritmos diferentes
A normalização monetária parece um processo incontornável a nível global, com os valores das leituras da inflação em termos médios a rondarem valores próximos dos 2% na maior parte das economias avançadas. Este processo é sobretudo evidente nos Estados Unidos, onde os estímulos fiscais têm vindo a suportar maior crescimento, apesar das medidas protecionistas, que até ao momento têm registado um impacto muito reduzido na maior economia mundial. Contudo, esta é uma realidade que pode mudar durante o próximo ano. A Reserva Federal poderá ter que responder com várias subidas da taxa diretora em 2019, e isso terá o seu impacto nos custos de financiamento e, finalmente, no crescimento económico, que deverá abrandar – e com isso arrastar também a Europa.
Esta necessidade resultará, essencialmente, da pressão inflacionista que irá surgir nos Estados Unidos no último trimestre do ano, e que irá atirar o crescimento da economia para um valor muito próximo dos 3% em 2018. Atualmente, os valores da inflação não são suficientes para criar muita pressão sobre o consumo das famílias norte americanas, que não só são um catalisador relevante para a economia norte-americana, como também para o comportamento das economias avançadas. Contudo, à medida que entrarmos em 2019, a pressão para a subida de salários no mercado de trabalho deverá fazer-se sentir de forma mais efetiva, e isso deverá ser decisivo para levar a autoridade monetária a atuar, subindo taxas – que os analistas estimam em média que possa chegar a um valor final entre 2,5% e 3%.
Por outro lado, na Europa, o ciclo de recuperação ainda se encontra numa fase menos madura do ciclo. Acresce a este fator uma esperada quebra no comércio internacional que advém, numa primeira linha, do facto do euro se encontrar ainda bastante apreciado no mercado de divisas face ao que estava há um ano atrás, e depois numa segunda linha pelas expectativas de maiores dificuldades no próximo ano provenientes dos Estados Unidos, mas também da China em certa medida, que estão a levantar maiores barreiras comerciais. Não existe uma opinião generalizada de que haverá um impacto significativo ou uma escalada para uma guerra comercial com impactes severos para as principais economias, mas sem dúvida que irá provocar um abrandamento na atividade global, ao qual a Europa não estará isenta.
Bottom’s up: não haverá uma queda abrupta nos mercados financeiros
O mundo deverá continuar a crescer em 2019, mas os investidores devem preparar-se desde já para um menor ímpeto e também para uma política monetária menos amigável para as classes de risco – um cenário de descida de lucros das empresas em virtude de menor economia, e maior impacto nas condições de financiamento por via de juros mais altos. Contudo, não parece certo que se verifique uma recessão a curto prazo, o que significa que, pelo menos na Europa, continuará a valer a pena deter posições em risco, mas devidamente ponderadas, privilegiando setores mais resilientes (como healthcare) e empresas que primam por uma distribuição de resultados aos acionistas via dividendos acima da média do mercado.