Salvar a saúde ou salvar a economia? Nunca entrei muito nesta discussão, porque desde o início desta maldita pandemia tive a sensação de que nenhuma delas poderia ser integralmente salva dos enormes danos e que será necessário tentar limitá-los nos dois campos.

As últimas semanas vieram, infelizmente, confirmar o cenário mais temido. Na frente sanitária, passámos em setembro o milhão de mortes a nível mundial e este mês vários países já bateram os recordes de casos diários que tinham sido estabelecidos em abril e maio.

Portugal, sem atingir a escala trágica que assistimos na vizinha Espanha ou no outro lado do Atlântico, não escapou e já superou o patamar dos dois mil casos por dia, com a ministra da Saúde, Marta Temido, a sinalizar que devemos rapidamente atingir os três mil por dia.

O primeiro-ministro, António Costa, não teve escolha, não hesitou e reativou o Estado de Calamidade, impondo novamente restrições que tinham sido levantadas há meses. Infelizmente criou ruído sobre o assunto ao tentar tornar obrigatório o uso da aplicação Stayaway Covid, uma dose de autoritarismo que qualquer spin doctor digno dessa alcunha evitaria, pois Costa vai ter, muito provavelmente, de recuar, como já vimos.

Se na saúde as medidas foram fortes e a gestão da mensagem fraca, na economia esta semana aconteceu precisamente o contrário. O Orçamento do Estado tem sido criticado por não dar a resposta certa, especialmente para as empresas. O reforço do apoio social era necessário (até para para garantir a aprovação no Parlamento), mas se não há suporte para as empresas daqui a pouco vai ser preciso apoiar ainda mais pessoas no desemprego.

Apesar dessa lacuna, o ministro das Finanças, João Leão, passou uma mensagem bem trabalhada. Isto está mau, pode piorar até, mas estamos atentos, realistas (e perto do que as instituições nacionais e e externas veem), e prontos a atirar dinheiro sobre o problema, especialmente porque vai chegar mais, muito mais dinheiro da Europa.

É uma espécie de não-compromisso, um Orçamento tímido, sem dentes, mas que precisamente por isso não é passível de ser criticado a toda a largura. Não tem muitos erros (senão o da falta de medidas para as empresas), a não ser o erro de ser bastante vazio. A mensagem foi desenhada para isso, para salientar as intenções e a filosofia, e ao mesmo tempo disfarçar a ausência de compromisso. O que Leão quer mesmo é que isto passe bem no Parlamento, pois está claro no documento um tipo de cláusula de force majeure – isto é uma calamidade portanto o Governo pode mudar o que quiser, sem perguntar a ninguém.

António Costa disse que não quer ser autoritário, mas neste dois casos, o da app e o do Orçamento, está a ser. Se não se cuidar pode acabar por adicionar à calamidade sanitária e económica também uma calamidade política.