“Silvia Conti: Are you going somewhere? Commissario Corrado Cattani: No, that’s to remind me that I’m just… passing through.” – La Piovra

Soaram as doze badaladas mas nada mudou em Portugal. E, parece-me, nada mudará.

Enquanto andamos entretidos a ver debates, à laia de telenovela, nos quais os candidatos discutem fundamentalmente atribuições que não são as suas, o essencial escapa-nos sempre, mesmo quando nos achamos atentos. Tudo se perpetua neste país. Até os protagonistas. Principalmente estes.

Segundo o que, então, foi noticiado pela SIC, em Maio de 2003, António Costa ligou a Paulo Pedroso, dizendo “Já fiz o contacto. Disse que ia imediatamente falar com o procurador do processo, portanto o Guerra. O receio que tem é que a coisa já esteja nas mãos do juiz. Pá, talvez o teu irmão seja altura de falar com o Guerra”.

O Guerra envolvido nessa batalha do PS era João Guerra, seguramente por acaso, irmão de Carlos Guerra, ex-presidente do Instituto da Conservação da Natureza que nada viu de errado no Freeport. Por seu turno, Carlos Guerra e João Guerra são irmãos de José Guerra, procurador que já trabalhou no Eurojust, sob a tutela de José Lopes da Mota, o qual se veio a demitir após ter sido condenado numa suspensão por, pasme-se!, pressionar os procuradores no âmbito do processo do… Freeport – que, recorde-se, foi viabilizado por um dos manos Guerra, neste caso, Carlos.

Por um acaso do destino, também seguramente, foi Lopes da Mota, adjunto do Gabinete de Francisca Van Dunem, quem nomeou José Guerra para a procuradoria europeia em vez de outra magistrada, esta seleccionada pelas instituições europeias, através do envio de um currículo que, segundo se sabe, continha o que o Governo afirma serem “lapsos”.

Entretanto, apurou-se igualmente que o júri constituído dentro do Conselho Superior do Ministério Público para avaliar as candidaturas a este cargo só definiu o valor de cada um dos critérios de avaliação depois de saber quem eram os candidatos. A situação suscitou reclamações por parte de dois dos cinco candidatos, mas foram indeferidas e as declarações de voto dos que não aprovaram tal procedimento não foram, ao contrário do que é habitual, publicitadas no site oficial.

Qualquer semelhança entre os protagonistas de 2003 e os actuais é, claro, mera coincidência, ao que não falta a confiança política manifestada por Costa a Van Dunem.

Portugal é um T0 que, visto de perto, apresenta demasiada sujidade e não carece de mais explicações. Tudo isto é tipicamente português e a Justiça não foge à regra: é, de facto, uma casa portuguesa. Infelizmente, também é a minha. Embora, no que a estes assuntos se reporta, me sinta sempre de passagem.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.