Procuraremos nas linhas que se seguem explicar os motivos do fracasso da contraofensiva ucraniana iniciada a 4 de junho de 2023, e ainda sem fim à vista, sem prejuízo de um trabalho de maior envergadura a ser efetuado sobre o tema. Contrariando o otimismo desmesurado criado por uma campanha de Comunicação Estratégica muito bem orquestrada, era claro para especialistas informados que aquela contraofensiva estava desde o início condenada ao insucesso. 

A campanha de (des)informação montada à sua volta criou artificialmente a esperança de ser possível a vitória da Ucrânia, e influenciou indubitavelmente os decisores políticos norte-americanos e europeus fazendo-os acreditar na certeza de algo irrealizável, tornando-os vítimas da sua própria propaganda. O General David Petraeus dizia convictamente que “esta contraofensiva vai ser impressionante!” Recordo-me como era difícil há três meses dizer na comunicação social nacional que o rei ia nu. Ninguém queria ver o óbvio.

Ao contrário dos seus promotores, Kiev estava ciente de que não se encontrava ainda preparada para um embate com as forças russas de tamanha envergadura: faltava-lhe o equipamento, o treino e as munições. A sua dependência do exterior era total, um elemento exógeno que não conseguia controlar. Mas a pressão era grande e foi obrigada a ceder. Contra a sua vontade, Kiev foi empurrada para o abismo. Isso ficou claro logo no início da operação.

As forças ucranianas tinham agora a espinhosa tarefa de romper as linhas defensivas russas, penetrar na profundidade do seu dispositivo fortemente preparado e simultaneamente destruir as forças russas. Tarefas ciclópicas. As forças ucranianas dependiam do poder de choque proporcionado pelas suas forças blindadas, para ultrapassar essas forças sem se empenharem em batalhas sangrentas e prolongadas. Isso ficaria para os segundos escalões. O objetivo era desconjuntar o dispositivo russo e com o seu escalão avançado chegar rapidamente ao Mar de Azov.

Passados três meses de contraofensiva, as forças ucranianas não conseguiram ir além da designada “zona cinzenta,” a faixa de terreno à frente da primeira linha da defesa russa. O objeto político a ser atingido com esta ofensiva não passa agora de uma amarga miragem. Como foi possível tanta gente acreditar numa vitória inverosímil?!

O treino

Uma vez perdido o fator surpresa, para conseguir o seu intento, as forças ucranianas teriam de realizar um ataque deliberado com um elevado poder de choque orientado para o ponto mais fraco do inimigo. Este tipo de operações é complexo e exige uma elevada preparação e treino que as forças ucranianas não tinham.

Referimo-nos principalmente ao treino coletivo e operacional de grandes unidades táticas (brigada e divisão). Para além de lhes faltar experiência de combate, as unidades ucranianas não tinham sido preparadas para combater a esses escalões, decisivos para se vencer. Para obter efeitos, esse treino teria de ter sido feito na Ucrânia e não no exterior, sobretudo quando nos referirmos às unidades blindadas, cruciais nesta manobra que os ucranianos pretendiam realizar.

Ao contrário das explicações que têm sido dadas, a formação no exterior não trouxe benefícios visíveis. Para além das dificuldades linguísticas e dos métodos de treino diferentes de país para país, muitos dos instrutores não estavam familiarizados com o armamento ucraniano, não tinham experiência de combate nem conheciam suficientemente a guerra que se estava a travar na Ucrânia. A última vez que os exércitos ocidentais travaram uma guerra convencional foi no Iraque, em 2003. Por outro lado, a utilização intensiva de drones veio revolucionar a tática condicionando a importância até então atribuída aos carros de combate. Eram desenvolvimentos táticos que eles não tinham vivenciado.

Na maioria dos casos, o treino no estrangeiro limitou-se ao treino individual, sem incorporar a componente tática ao nível batalhão e brigada. Por isso, não será de estranhar que numa operação onde era preciso aplicar elevada energia num ponto do dispositivo inimigo, o que se consegue empregando unidades táticas de elevados escalões, as forças ucranianas se limitassem a empregar unidades de baixo escalão, contrariando assim tudo o que se deve fazer neste tipo de operações.

Foram constituídos para esta operação dois Corpos de Exército no total de 12 brigadas, nove das quais equipadas com armamento fornecido por países da NATO e com um treino de duração entre 4 e 6 semanas, feito em países da Aliança. Muitos dos 36 mil soldados dessas nove brigadas eram recrutas sem experiência militar. Apenas 11 % dos 20 mil soldados ucranianos treinados no Reino Unido, desde o início da guerra, tinham alguma experiência.

Não se forma um combatente em seis semanas. Fica apenas apetrechado com os rudimentos para sobreviver no campo de batalha, aprende as ferramentas táticas para combater integrando unidades de baixo escalão (secção, pelotão e com muita vontade companhia), mas não fica habilitado para combater integrando unidades de escalão elevado. Por outro lado, o treino não se deve limitar aos soldados, tem de se alargar aos oficiais e à aprendizagem das técnicas de Estado-Maior, domínio onde se verificou ausência de atenção, como se a arte da guerra fosse matéria despiciente.

Os recursos

Os ucranianos envolveram-se nesta contenda numa situação de inferioridade de meios, ao contrário do que seria desejável e necessário. Embora seja difícil precisar com rigor o efetivo de cada um dos lados em confronto, não andaremos muito longe da verdade se dissermos que os dois contingentes se equivaliam em efetivos. Estimo que cada lado teria aproximadamente 250 mil soldados, o que à partida representava uma vulnerabilidade para o lado ucraniano, uma vez que a força atacante terá de ter, pelo menos, o triplo do efetivo da que defende.

Em matéria do equipamento à disposição de cada um dos lados, a Rússia tinha também vantagem. Em artilharia e munições estima-se que a relação fosse de 5:1 favorável às forças russas. Podemos ainda incluir na artilharia uma diversidade de equipamentos e de munições de que a Ucrânia não dispunha como, por exemplo, os poderosos flamethrowers (TOS-1). 

Não ter vantagem em artilharia até poderia não ser determinante para levar a cabo este tipo de operação. A artilharia faz a diferença numa guerra de atrição, mas não necessariamente numa blitzkrieg. A Ucrânia tem artilharia suficiente para apoiar com fogos uma rotura inicial no dispositivo inimigo, mas não para apoiar o alargamento da penetração, onde a artilharia perde importância, passando a ser indispensável e determinante o apoio aéreo próximo que a Ucrânia não dispõe. 

As forças russas não só tinham superioridade aérea como dispunham de uma considerável frota de helicópteros, entre os quais se destacam os Ka-52 equipados com misseis anticarro, que lhe permite destruir carros de combate até 15 km em quaisquer condições de visibilidade, o que tem provocado bastante dano nas viaturas blindadas ucranianas. Podemos ainda acrescentar a considerável superioridade em drones, independentemente do tipo, que a Rússia dispõe neste momento.

No que respeita a carros de combate e a viaturas blindadas de infantaria, as forças russas dispunham também de uma vantagem considerável, tanto em qualidade como em quantidade. O material fornecido pela ajuda externa à Ucrânia, fundamentalmente os carros de combate e os veículos blindados, apesar de generosa, não era suficiente para fazer face às necessidades. A grande variedade de equipamentos criou graves problemas de interoperabilidade e manutenção difíceis para não dizer impossíveis de superar. Para além disso, as forças ucranianas também tinham escassez de outros tipos de equipamentos cruciais para prevalecer neste tipo de operações, como seja material de desminagem e outros equipamentos de engenharia.

A tática

A surpresa, uma das vantagens do atacante, estava comprometida desde o início, não fosse a imensa proliferação de equipamentos de vigilância do campo de batalha que torna quase impossível esconder grandes concentrações de forças. Era impossível esconder a localização do ataque principal ucraniano e foi aí que os russos os foram esperar respaldados numa forte preparação do terreno, conhecida como linha Surovikin. Das três direções de ataque, o ataque principal deu-se, como esperado, na região de Orikhiv na direção de Melitopol.

A imensa panóplia de viaturas com capacidades e características diferentes tornava a sua utilização tática de forma coerente. Não era fácil empregar taticamente esta macedónia de viaturas. As viaturas MRAP (Mine-Resistant Ambush Protected) de elevada silhueta concebidas para outro tipo de combates tornaram-se presas fáceis para os helicópteros KA-52 russos. Não é de surpreender que as forças ucranianas tenham perdido cerca de 20% do armamento nas duas primeiras semanas da contraofensiva, nos quais se incluem um significativo número de carros de combate e veículos blindados fornecidos pela ajuda externa.

A reduzida profundidade do terreno controlado pelas forças de Moscovo limitou a escolha do tipo de defesa a adotar. Tiveram de optar por uma defesa avançada, dando batalha à frente da primeira linha defensiva, na designada zona de segurança, desgastando as unidades ucranianas antes de alcançarem a primeira linha de fortificações, ou até impedir que as atingissem.

Perante a avassaladora destruição de viaturas blindadas, Kiev desistiu de levar por diante uma blitzkrieg. Optou por deixar as suas viaturas blindadas à retaguarda para não serem destruídas e lançou a sua infantaria apeada sobre as trincheiras inimigas num terreno sem cobertos e abrigos e com observação às longas distâncias, à mercê da artilharia e dos drones russos.

Perante os factos apresentados, não extensivamente, não é difícil concluir que as forças ucranianas se encontram numa situação extremamente delicada, como era expectável. Não podemos deixar de estranhar que perante estes factos conhecidos por todos, alguém possa esperar que as forças ucranianas alguma vez pudessem repelir os contingentes russos do seu território. Só uma avaliação muito errada das capacidades das forças russas poderia justificar tal expetativa. 

Novamente vítimas da sua própria propaganda, os líderes e as opiniões públicas europeias caíram no logro de acreditar que os russos iam debandar e a vitória ucraniana seria um passeio no parque. Como foi possível, perante tudo isto, pressionar Kiev a avançar e a mandar os seus filhos para o “picador de carne”, vendendo às opiniões públicas que era possível uma vitória. Mais sinistro ainda é sermos confrontados com alguns “especialistas”, que depois de estar na cara que as tropas ucranianas vão ser derrotadas, ainda continuam a tentar iludir as suas audiências com cantos de sereias.