Já todos sabíamos que as comissões parlamentares de inquérito não servem para apurar a verdade, mas sim para construir uma narrativa que convenha às diferentes forças políticas. As comissões parlamentares são, salvo seja, uma geringonça esquisita: existem para inquirir a verdade e apurar responsabilidades, pelo que até têm força de lei para obrigar quem lá vai a responder às questões dos deputados. Porém, ao contrário do que acontece num tribunal, onde as decisões dos juízes são fundamentadas na lei e passíveis de recurso em instâncias superiores, nas comissões de inquérito os deputados podem colocar no relatório final as conclusões que bem entenderem, dependendo apenas da capacidade de argumentação. E quando existe uma maioria absoluta, a tentação de ajustar os factos a uma determinada narrativa é ainda mais forte, tornando o consenso partidário desnecessário.

A versão preliminar do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP é exemplo disso. Quem assistiu às audições e agora lê o documento, dificilmente se revê nas conclusões que dele constam, nomeadamente quando o texto refere que não houve interferência política na TAP ou que a decisão de afastar Alexandra Reis – pagando-lhe meio milhão de euros, de forma ilegal – partiu “exclusivamente” de uma decisão da então CEO (como se não coubesse ao accionista Estado nomear e demitir os membros do conselho de administração). Mas tudo indica que a versão final do articulado não será muito diferente do documento preliminar que foi divulgado na terça-feira, até porque se o mesmo fosse de facto um mero rascunho, muito provavelmente o grupo parlamentar do PS não teria convocado uma conferência de imprensa para o apresentar.

O resultado final será a existência de várias narrativas concorrentes numa mesma comissão de inquérito e a descredibilização da figura desta última. O PS vai levar a sua avante, protegendo os ministros e ex-governantes mais beliscados por todo o caso TAP. E a oposição vai fazer declarações de voto com posições distintas das que constam do relatório, ou mesmo divulgar as suas próprias conclusões. No fim do dia, ao contrário do que sucedeu, por exemplo, na comissão de inquérito ao caso BES, não haverá uma aproximação comum à verdade, nem uma narrativa que seja minimamente consensual. Teremos várias narrativas e, claro, a avaliação que cada cidadão fará na sua consciência.