A pandemia de Covid-19 levou praticamente o mundo inteiro a tomar medidas de confinamento que causaram, muito provavelmente, o mais rápido e abrangente choque económico de sempre.

É difícil imaginar uma manobra de confinamento a nível global tão consensual e bem orquestrada se não houvesse uma imprensa tão globalizada e uma opinião pública tão guiada pelas redes sociais, também elas altamente globalizadas. É por isso fácil de deduzir que este foi o maior choque económico da história na sua rapidez e abrangência. No entanto, são cada vez mais os indícios que levam a crer que a crise causada por este choque pode não ser tão profunda quanto alguns temiam, ou como alguns indicadores económicos ainda sugerem.

Sim o desemprego vai disparar assustadoramente. Mas os níveis de rendimento não cairão na mesma proporção graças aos vários programas de ajuda implementados pelos governos de todo o mundo. Desde subsídios de desemprego abonados, passando por programas de lay-off, até a transferências diretas para os cidadãos – independentemente da sua situação laboral.

O caso dos EUA é particularmente surpreendente, visto que o governo pretende enviar mais de 70 milhões de cheques de um mínimo de 1.200 dólares para as famílias norte-americanas, e que o subsídio de desemprego foi abonado em 600 dólares por semana até ao final de julho (antes do pacote de alívio económico o subsídio de desemprego médio semanal era de $378, hoje é de $978, um aumento de mais de 150%).

Existem inclusivamente relatos pontuais de empregadores norte-americanos que têm dificuldade em encontrar trabalhadores dispostos a voltar a salários pré-covid face aos subsídios que estão a receber por estar em casa. Na Europa, entre programas de lay-offs, moratórias nos créditos, congelamento de rendas e menos facilidade em ceder ao consumismo (os centros comerciais e os restaurantes estão fechados), também não seria de admirar que o nível de rendimentos não caísse demasiado.

Este não é o cenário típico de uma crise económica profunda. No entanto,  alguns setores vão sofrer profundamente. Setores como o turismo ou os eventos deverão demorar talvez dois anos a recuperar totalmente, e setores como o petrolífero ou o da aviação provavelmente nunca recuperarão na totalidade deste choque. Estes dois últimos acima de tudo porque já viviam com um excesso de oferta que poderia ser considerada insustentável.

No caso do setor petrolífero sustentado pelo controlo de produção a nível global, e no da aviação pelo apoio governamental em vários países (o exemplo de Portugal é particularmente gritante na aviação). Mas parece cada vez mais provável que o pico de falências fique relativamente contido a esses setores, e que não seja nem de perto proporcional à rapidez e abrangência do choque que a economia global sofreu. Um indicador que aponta nessa direção é o facto de o ritmo de concessão de créditos ter disparado tanto na zona euro como nos EUA.

Nos EUA o crescimento do total de crédito a empresas não financeiras passou de uma média de entre 4% a 6% pré-covid, para mais de 10% atualmente. Na zona euro ainda não temos acesso aos dados de abril, mas em março o ritmo de crescimento do total de créditos ao mesmo segmento quase que duplicou para cerca de 5%. Este disparo na concessão de crédito é precisamente o contrário do que acontece nas crises económicas profundas, em que os bancos se coíbem de conceder crédito com receio das possíveis falências.

Esta é por isso uma crise estranha, em que o nível de rendimento cai relativamente pouco face à situação económica vigente, e em que a concessão de crédito acelera em vez de afundar.

Estes fatores, em conjunto com o exemplo de vários países na Europa que normalizam a sua vida com o número de contagiados relativamente controlado, e com os progressos da comunidade científica na busca de medicamentos/vacinas contra este vírus, reforça a perspetiva de que o pior, no que toca à economia, poderá já ter ficado para trás. Que temos pela frente uma recuperação não necessariamente rápida, mas pelo menos sólida.

No entanto, apesar deste aparente sucesso a evitar o pior dos cenários económicos, é ingénuo pensar que a reação épica –que está a ser levada a cabo por praticamente todos os governos e bancos centrais do mundo – a este choque pandémico é isenta de riscos ou consequências. Na verdade, as consequências desta reação vão moldar profundamente as tendências macroeconómicas das próximas décadas, para o bem e para o mal.