Os EUA e a União Europeia leram a bússola do tempo, de olhos trocados. Os EUA, apanhados de surpresa pela descolagem económica, tecnológica e diplomática da China, [finais1990/inícios 2000], resultante das reformas transformacionais, introduzidas por Deng Xiaoping, a partir de 1978, tentam mudar de rumo para não perderem o pé no xadrez da governação mundial. Assim, redireccionam e recentram poderosos meios e recursos económicos, políticos, diplomáticos e militares na Ásia, numa estratégia de enfrentamento da China. Conter os avanços de Pequim tornou-se o foco central da política externa americana.
A UE, por seu lado, não soube captar os sinais de declínio em que, a partir daí, entrou o seu relacionamento com os EUA, pelas mesmas razões que levaram à mudança do foco internacional dos interesses americanos em termos de geografia e conteúdo.
EUA versus China
1. A grande contenda EUA/China começa aqui. Na Ásia, nem tudo tem sido desfavorável aos EUA, o que significa que a China não viu a vida facilitada. Forças de um lado e do outro reorganizam-se para um combate duradouro pelo controlo do Mundo. Até que ponto a constituição e o desenvolvimento dos BRICS vieram trazer um certo conforto à China, no âmbito desta rivalidade, é uma outra matéria a merecer acompanhamento.
Esta descolagem, uma vez “descoberta”, tem atravessado as Presidências americanas, desde George W. Bush a que não se pode deixar de imputar os fracassos das guerras do Afeganistão e Iraque, mas o chamado “epicentro” asiático não deixou de perpassar as presidências de Clinton, Obama, Trump1, Joe Biden e agora Trump2. Os ritmos é que variaram, segundo a personalidade dos presidentes e seus assessores, mas o foco da guerra à China mantém-se vivo.
A Europa sai do mapa americano
2. Neste contexto, a Europa perdeu para os EUA o interesse estratégico que detinha na Segunda Guerra Mundial e no período da guerra fria. A Europa perdeu espaço nos planos das Presidências americanas, pois nada de novo acrescenta aos desígnios dos EUA no mundo.
A Europa não apreendeu, durante muito tempo, esta alteração da realidade. Não se ajustou a estas novas ambições de confronto. Ficou parada no tempo, sob domínios importantes, com realce para a esfera da defesa.
Foi continuando a construir e mal a sua economia, fazendo “umas flores”, aqui e ali, nas COP com o “plano verde europeu”, hoje, em vias de abandono, rejeitado pela maioria dos países membros, designadamente devido a metas irrealistas e, não indo ao fundo dos problemas, como na energia, em que deixou enredar-se pela Alemanha, está a pagar essa visão errada, com o afundamento de sectores económicos-base como as indústrias químicas e metalúrgicas e agora o automóvel, arrastando a União Europeia no seu todo para o abismo.
A Europa falhou. Não soube definir os seus fundamentos económicos e, neste momento, com um radical na governação do outro lado do Atlântico, enfrenta um futuro muito incerto porque a mudança de foco para a Ásia tornou-se mais brusca, desferindo um corte radical nas relações transatlânticas e grandes incertezas/turbulências na economia mundial provocadas pelas taxas aduaneiras e eventual não pagamento de títulos do tesouro americanos na mão de estrangeiros, visando sobretudo a China … mas a que a Europa não sairá ilesa.
A desorientação na UE aprofunda-se e surgem os delírios sem nexo, como o de rearmar a Europa para se defender de quê…? Certamente “de tropas russas” nas ruas de Londres! É o máximo do ridículo e do desconhecimento da História. A Rússia nunca invadiu a Europa, sendo aquela várias vezes invadida.
Uma Europa 2.0?
3. A União Europeia deixou de ter o pé em terra. Cimeiras, mais cimeiras, a reboque de Macron e Starmer, com os dirigentes máximos europeus, presentes, mas em situação de marginalidade, ao lado de um secretário-geral da NATO, um cargo que ninguém sabe o que vale, pessoa pouco credível, pelo menos, para Portugal, embora os políticos portugueses, de fraca memória, já tenham esquecido o palavreado ofensivo de Mark Rutte, para com o nosso País.
Até parece que caminhamos para uma Europa 2.0, alargada a recém-saídos (Reino Unido) e a potenciais novos membros tipo Canadá. Será a “Europa do Rearmamento”? Estas cimeiras “de coligação de voluntários” andam a discutir incongruências e inconsequências, “sem pés, nem cabeça”, só para se manterem em palco. Meras encenações perigosas. Que forças querem construir, forças de intermediação de quê?! Ainda não estão negociados acordos de paz e, quando aí se chegar, serão as forças de paz compostas por forças militares não neutras?!
Forças de paz só com intervenção da ONU. Acho que pelos corredores das diversas instituições internacionais, deverá haver muito comentário e sorrisos sarcásticos sobre o pretenso frenesim que percorre os dirigentes europeus. O próprio Zelensky anda à deriva, mas não pode voltar as costas aos europeus. A sua participação neste desarrazoado de Cimeiras não contribui positivamente para as negociações em que a Ucrânia é chamada a participar.
Acentua-se o fosso entre os Estados-membros da UE
4. A divisão entre os países-membros da União Europeia (UE) está a aprofundar-se em todo este processo, minando o ambiente já de si pouco conforme, até porque, para algumas das cimeiras, nem todos os países foram convidados, apenas “os amigos” de Macron e Starmer.
Na realidade, assiste-se a países com posições de extrema-direita, próximas das correntes trumpistas e em cumplicidade com Musk, caso Meloni, primeira-ministra de Itália, apostados numa postura de negociação e um outro grupo bem maioritário que admite avançar para o armamento, a posição oficial da Comissão europeia e do Conselho para o qual Ursula von der Leyen desencantou uns 800.000 milhões de euros, sem identificar onde os vai arranjar, sem qualquer programação.
Mas, neste segundo grupo, há muitas visões sobre as percentagens do PIB nas despesas com a defesa. Há os que se vangloriam (poucos) com a sua aproximação dos 5% exigidos por Trump, mas um grande número de países-membros não vai por aí. Países como a Áustria, Irlanda, Malta, Espanha, Bélgica, Eslovénia, Luxemburgo e talvez Portugal não estarão dispostos a percorrer esse caminho. Onde vão desencantar tanto financiamento? Em que despesas vão cortar?
A Europa está cada vez mais isolada de Trump e Putin, do centro das decisões, também pelas posições que tomou e estas cimeiras só ampliam a marginalização. O caminho de negociações a três, separados, será muito em ziguezague. A UE vai ser chamada, em alguma fase, nem que seja para colocar uma assinatura!
Só espero que as negociações não se arrastem tempo em demasia, embora as perspectivas não se apresentem risonhas, nomeadamente porque as “decisões erráticas” da presidência Trump, sobretudo no campo da economia, estão a prosseguir, podendo arrastar uma crise profunda, a nível mundial. Que saídas para esta guerra económica, pois é de uma guerra real que se trata.
Na Ásia, a comunicação social fala na recomposição de novas alianças: Coreia do Sul, Japão e China em aproximação para responder a Trump? A acontecer, algo que envolverá muita imprevisibilidade. Mas talvez seja um caminho a explorar pela diplomacia.