Esta coisa das famílias não nos larga, é uma espécie de estigma que paira sobre as sociedades latinas, como que a dar foros de razão aos nórdicos protestantes e outros anglo-saxões para quem gostar de azeite, tomate e banhos de sol é sinal de desgoverno e corrupção…
Primeiro, foram as ligações familiares no Governo. Depois de uma sucessão ininterrupta de manchetes positivas, Portugal viu as primeiras notícias “à antiga” surgirem no estrangeiro quando no seu Governo coabitavam alegremente marido e mulher, pai e filha. Depois veio a lume o caso não menos curioso do presidente de um banco, o Crédito Agrícola, que contratou a sua mulher para seu “suporte emocional”, com salário pago pelo banco, claro está. Como o exemplo vem do alto, hoje mesmo, quarta-feira, soube-se que o mesmo banco em Salvaterra de Magos emprega um presidente executivo que, por sua vez, é irmão do presidente da Assembleia Geral do mesmo Banco cujo genro é contabilista da instituição. Como aos pares é melhor, um gerente de balcão da mesma localidade é também sobrinho do já referido presidente. Pelo meio, ainda há notícias de negócios imobiliários com o banco em que um dos envolvidos fez negócio consigo próprio.
Nestes últimos dias, foi a família do inesquecível Dias Loureiro que veio à baila. Pelos vistos, uma das suas filhas, Catarina, casou com Alejo, um dos filhos de Raúl Morodo, ex-embaixador de Espanha em Portugal, de onde seguiu para a Venezuela e cuja firma de advogados se encontra agora a braços com o fisco espanhol. Curiosamente, Mário Soares, numa das suas últimas entrevistas ao Expresso, em 2017, falava do dito Morodo invocando uma amizade de mais de 40 anos. O título da entrevista era, apropriadamente, “A Política não pode ser uma maneira de subir na vida”… Pelos vistos, Morodo e os seus familiares não ouviram o conselho amigo de Mário Soares. Pelo meio, António Vitorino ainda passou umas faturas à dita sociedade, segundo ele devidamente declaradas ao fisco. As faturas, naturalmente, saíram de uma empresa em que o próprio Vitorino tinha a sua mulher de sócia.
Dizem que de uma fotografia de grupo do casamento da filha de José Maria Aznar com Alejandro Agag – alegadamente envolvido no caso da empresa de apartado postal de Porto Rico que, por mão de Dias Loureiro, custou mais de 30 milhões de euros ao BPN – quase todos os intervenientes estão presos ou indiciados no mare magnum de casos e corrupção que envolvem o Partido Popular em Espanha. Rodrigo Rato (preso), Miguel Blesa (suicidou-se), Luis Barcenas (preso), Francisco Camps (preso), Francisco Correa (preso), Alvaro Perez, El Bigotes (preso), Rita Barberà (falecida de ataque cardíaco, em plena investigação), Esperanza Aguirre (indiciada), etc., etc.
Outro casamento, o de Joana Dias Loureiro com João Ferro Rodrigues, diz-nos João Miguel Tavares numa das suas crónicas no “Público”, contou com a presença de três ex-Chefes de Estado, dois primeiros-ministros portugueses e um espanhol… José Maria Aznar. É natural que pessoas do mesmo ofício se juntem em acontecimentos sociais e não quero aqui tecer um paralelo com a boda da filha de Aznar. Mas é sempre importante lembrar que, em política, parecer é tão importante quanto ser.
A razão pela qual as famílias, a política e os negócios dão as mãos tem uma explicação simples: a aproximação das duas permite a coagulação do poder na mão de apenas uns poucos, todos de “confiança”, impedindo a fluidez do mesmo e que ele venha a cair em mãos alheias. Daí decorre sempre prestígio e influência social, acesso privilegiado e único a fontes de financiamento, a empresas públicas e privadas de grande dimensão onde a família mais alargada encontrará rendas perpétuas de onde viver sem esforço, mérito ou escrutínio.
De vez em quando, no entanto, as rodas da Justiça exercem a sua função de anticoagulante e repõem motilidade ao sistema. Pelo menos em Espanha.