Nos últimos anos imperou a lei do BCE, ciclo que deverá inverter-se progressivamente

Na Europa da periferia têm existido lentos, mas importantes progressos

‘Bottom’s up’: uma fortaleza chamada Europa

 

A economia mundial está mais forte e assim deverá permanecer durante este ano, dando corpo a um ciclo que começou em 2016. Os Estados Unidos lideram o ciclo de recuperação, e as taxas de juro deverão subir na principal economia desenvolvida, provavelmente até mais rápido do que está neste momento a ser antecipado pelos economistas e observadores. A normalização monetária, onde o crescimento gera inflação e esta gera aumentos das taxas de juro, está em curso e o debate económico gira progressivamente para outras frentes – como crescer mais, ou sobre até que ponto uma agenda mais protecionista norte-americana pode afetar os novos equilíbrios comerciais internacionais.

Mas o mundo não está apenas a crescer de forma mais sólida. Está sobretudo a crescer de forma mais sincronizada, com especial destaque para a Europa do euro, que apresenta mais riqueza criada, mais empregos e salários mais altos. As estimativas apontam para um crescimento entre 2% e 2,5% nos próximos anos na zona euro, que deverá ser suficiente para desencadear a discussão sobre o atual posicionamento do Banco Central Europeu (BCE) relativamente aos estímulos monetários e, sobretudo, no que diz respeito ao seu discurso para o futuro. É por isso cada vez maior a convicção de que a era das taxas de juro extraordinariamente baixas está perto do fim, e que a normalização das políticas monetárias está em curso também do lado de cá do Atlântico – independentemente de considerarmos que o ritmo desta normalização possa ser mais lento, pois dificilmente as taxas de juro diretoras subirão antes de 2019.

Nos últimos anos imperou a lei do BCE, ciclo que deverá inverter-se progressivamente

Se, por um lado, o ciclo em que imperou a força do BCE parece estar a inverter-se, por outro, o mesmo não poderá dizer-se da resiliência da zona euro relativamente aos riscos geopolíticos. De facto, apesar dos testes se manterem relevantes para a discussão futura da União Europeia – por um lado temos os difíceis equilíbrios gerados pelos resultados das eleições alemãs e, por outro lado, umas eleições em Itália que podem trazer ao de cima fantasmas recentes sobre o euroceticismo, para além de uma situação muito complexa de gerir nas duas câmaras do parlamento transalpino –, a verdade é as economias europeias parecem ter-se tornado praticamente imunes aos solavancos que vão surgindo na estrada para a recuperação, e isso tem sido patente nos mercados financeiros de risco, que continuam a transacionar com reduzidos níveis de volatilidade. Adicionalmente, os prémios de risco da dívida soberana nos países do euro registam uma menor redução dos prémios de risco entre si, sinal de que os dias mais negros que vaticinavam o fim do euro fazem já parte do passado.

Os riscos de contexto do euro têm vindo a ser ultrapassados… e o pragmatismo tem-se sobreposto às narrativas políticas. Esta tem sido uma das grandes lições dos últimos anos e deverá repetir-se em 2018. Os fatores políticos ladram mas, até ao momento, não mordem. O euroceticismo (com o Brexit à cabeça), o populismo (Itália, França ou Espanha) e o fim da globalização têm sido, e justamente, considerados como riscos chave para a economia europeia, mas, no final do dia, prevaleceu sempre a força dos fundamentos económicos, com a aceleração do comércio internacional a sobrepor-se aos restantes factores. Ironia ou não, muito deste impacto favorável na Europa tem sido originado pelo aumento significativo dos consumidores dos Estados Unidos da era Trump.

De qualquer forma, não se pode negligenciar a importância dos eventos geopolíticos nem a possibilidade que estas condicionantes têm de influenciar os comportamentos e decisões dos agentes económicos. Muitas vezes, porém, estas não são as variáveis fundamentais económicas, e adicionalmente estão presas a narrativas políticas disruptivas, que depois na realidade não encontram lugar em termos de implementação. O caso mais paradigmático na Europa encontra-se obviamente na diabolização da consolidação fiscal e das reformas estruturais nos países da periferia, com a Grécia à cabeça, mas com tradução algo similar em Espanha e Portugal.

 

Na Europa da periferia têm existido lentos, mas importantes progressos

No caso da Grécia, sobejamente conhecido, tem sido a maioria parlamentar que chegou ao poder com uma agenda eurocética e “anti-austeridade” a implementar as reformas da economia, esperando-se que este ano o país saia finalmente do terceiro programa de resgate, regressando aos mercados de forma limpa. Este será, porventura, o exemplo mais representativo onde a retórica política se separa da ação política, mas não é o único.

Em Portugal não tem sido assim tão diferente. O alegado sucesso económico nacional não tem sido realizado sem recurso à chamada austeridade. Seja qual for o formato, este é camuflado nas narrativas políticas. E mesmo algumas das propagandeadas reversões em reformas importantes – como do mercado de trabalho – têm encontrado rotundo exílio na mesma gaveta, onde muitas décadas atrás ficaram a ganhar pó os princípios dogmáticos do socialismo.

Não sendo processos sólidos – porque as reformas estruturais têm sido praticamente nulas, e isso tem impacto a prazo, onde subsistem desafios consideráveis –, os progressos têm sido suficientes para restabelecer importantes progressos, como o regresso da confiança dos investidores e, sobretudo, da confiança das agências de rating, importantes para o restabelecimento do circuito financeiro e monetário que equilibra o financiamento do Estado, dos bancos e do grande sector empresarial de um país. E isto ajuda a estabilizar o resto da economia.

Para além da estabilização macro e dos riscos de contexto geopolíticos, a zona euro apresenta leituras que indiciam um tecido empresarial competitivo e pujante. A evolução dos resultados líquidos das principais empresas cotadas nos principais índices europeus evidencia esta tendência, com os lucros a registarem aumentos acima dos 10% em 2017. Os analistas e observadores de mercados financeiros esperam agora um crescimento dos resultados por ação das principais empresas europeias cotadas no índice Eurostoxx Geral entre os 8% e 10% em 2018. Estes são sinais que ajudam a sinalizar que o ímpeto do ciclo de crescimento da zona euro pode refletir-se num ciclo favorável nos próximos anos, com efeitos evidentes sobre a economia real das famílias.

‘Bottom’s up’: uma fortaleza chamada Europa

A União Europeia está hoje bastante mais preparada de resistir a choques inesperados, e apesar de ser complexo antecipar o que pode ou não acontecer com a inflação nos países do euro nos próximos meses, parece evidente que este ano é o da confirmação da retoma europeia. A economia global cresce e os Estados Unidos estão em fase adiantada da recuperação, o que beneficia comércio internacional, e na primeira linha dos beneficiados está a zona euro.

A época da normalização monetária global está em curso e é irreversível mesmo na Europa, mas no Velho Continente ainda haverá algum tempo com taxas baixas, conferindo um enquadramento favorável para os países europeus que, neste momento, registam crescimento económico de forma mais visível e sincronizada. Acresce a este enquadramento macro e monetário a redução do impacto dos riscos de contexto, associados a uma potencial implosão do euro. Aqui persistem os efeitos da separação entre a política da realidade sobre a narrativa política anti-austeridade, com os países da periferia a evidenciarem progressos importantes, ainda que de forma lenta e com menor ímpeto reformista. Por último, e apesar de não termos ainda pressões inflacionistas relevantes, as empresas europeias de referência continuam a crescer e a entregar lucros aos acionistas.

A Europa soube lidar – embora a um ritmo muitas vezes mais lento que o exigido – com os grandes desafios da última década e criar uma espécie de “Fortaleza Europa” em torno do projeto do euro. Contudo, neste momento está no bom caminho para um ciclo de crescimento económico de pelo menos mais dois anos, enquanto as taxas estiverem baixas. Sem esquecer que alguns problemas foram adiados: só as reformas estruturais e uma maior integração podem adicionar mais potencial de crescimento a longo prazo. Nesta “Fortaleza Europa”, Portugal tem tudo para beneficiar a curto prazo, sendo que também deve aproveitar para atacar problemas estruturais da economia e assim conferir maior competitividade e sustentabilidade ao crescimento.