São várias as explicações para a rebelião iniciada, no dia 2 de janeiro de 2022, no Cazaquistão, em Almaty e noutras cidades do país, que levou à ocupação de edifícios governamentais, saque de lojas e destruição de viaturas.

O catalisador específico desta revolta foi o aumento do preço do gás, contudo ela resultou do descontentamento da população com o regime cleptocrático instalado no poder há três décadas, responsável por tornar o Cazaquistão num petroestado com elevadas assimetrias sociais, e uma monstruosa desigualdade económica acentuada pela crise financeira de 2008 e, mais recentemente, pela pandemia causada pela Covid-19. A revolta terá também servido para um ajuste de contas entre os clãs do ex-presidente Nazarbayev e do atual presidente Tokayev.

Contudo, a legitimidade do descontentamento dos cazaques contra a oligarquia que os rege, não se pode desligar dos acontecimentos registados em 2021 nas fronteiras da Federação russa, nomeadamente na Bielorrússia e na Ucrânia. Nesta última, com a concentração de forças militares ucranianas junto à linha de separação com as forças rebeldes, no Donbass.

O modo como se desenrolaram, extremamente parecido com outros acontecimentos similares, é outro elemento a ter em conta. A sua ocorrência não se trata de mera coincidência temporal. São acontecimentos intimamente ligados, enquadrando-se plenamente nas recomendações do relatório da RAND Corporation (Extending Russia. Competing from Advantageous Ground), o think tank do Pentágono.

Esse documento ajuda-nos a compreender a “espontaneidade” dessas revoltas. Entre outras medidas, recomenda: impedir as exportações de petróleo russo, reduzir as exportações de gás natural e impedir a expansão de gasodutos russos, sair do Tratado de mísseis de médio alcance, fornecer ajuda letal à Ucrânia, aumentar o apoio aos rebeldes sírios, promover a mudança de regime na Bielorrússia, explorar as tensões no sul do Cáucaso, reduzir a influência russa na Ásia Central, e investir em capacidades para manipular as perceções do risco russo.

Outra coincidência a merecer igualmente atenção foi a evolução registada nas políticas externas dos países onde ocorreram este tipo de “revoluções”.

Tanto a Bielorrússia como o Cazaquistão tinham optado por seguir políticas externas “multivetoriais”, orientadas para o Ocidente, visando secundarizar as suas relações com Moscovo. Isto levou a que o ex-secretário de Estado Pompeo flirtasse com Minsk prometendo-lhe uma normalização de relações com os EUA. De modo semelhante, o ex-presidente da Ucrânia, Yanokovitch optou pela “non-block policy”. Não foram, contudo, estas opções de política externa que impediram estes dirigentes de terem o seu “Maidan”.

Na reunião do Valdai Club realizada em Sochi (2019), durante as discussões sobre o futuro do desenvolvimento dos dois países (Rússia e Cazaquistão), quando Tokayev defendia os méritos da política multivetorial e das parcerias com outros países, para além da Rússia e da China, Putin lembrou-o que “Sadam Hussein também pensava o mesmo“.

Se o objetivo destas movimentações era uma operação de mudança de regime e instalar no Cazaquistão um governo hostil a Moscovo, o resultado foi o oposto. Provocou uma reação inédita da Organização do Tratado de Segurança Coletiva e reforçará o papel securitário da Rússia na região.