Começo este texto com um pequeno aviso prévio: não sou um grande fã da Greta. Não fui recebê-la à Doca de Santo Amaro, qual Messias retornado de 40 dias no deserto Atlântico; acho o tempo de antena que lhe é dado exagerado e sensacionalista, tal como a distinção da “Time” como Figura do Ano me parece precoce.

No entanto, não poderei deixar de reconhecer a razão que terá em algumas intervenções, a importância do seu papel no alerta e apelo à defesa do meio ambiente e, sobretudo, constato que a atenção que lhe é dada resultará, em grande parte, da contínua inacção dos governantes, em geral, em produzir legislação e uma estratégia concertada, realista e abrangente de transição energética que permita tornar os pseudo-objectivos que já todos conhecem em metas alcançáveis. E, em Madrid, tivemos mais um exemplo perfeito disto.

A COP25 terminou esta semana com “um consenso para publicar um documento conjunto no qual se comprometem a ampliar os esforços para combater as alterações climáticas já em 2020 e a cumprir o Acordo de Paris”. Uma ideia muito nobre e louvável. Mas, na realidade, que medidas propõem os países signatários (nos quais não se incluem os EUA, a China, a Índia ou a Rússia, os quatro países mais poluidores do mundo) para atingir as metas de Paris (esse acordo tão sério e restritivo que, não só não estabelece metas internacionais – mas antes objectivos variáveis e estabelecidos nacionalmente –, como nem as torna juridicamente vinculativas)?

Que conjunto de leis e normas sai desta cimeira? Que órgãos de fiscalização e supervisão serão constituídos para verificar a aplicação destas mesmas normas? Aparentemente, depois de (mais) umas férias pagas pelo contribuinte, desta feita em Madrid, os líderes mundiais chegaram a mais uma mão-cheia de nada. E é aqui que ganha força Greta. Porque, goste-se ou não da atenção e mediatismo à volta da miúda, tem toda a razão quando diz que “os políticos nos querem fazer acreditar que algo está a ser feito”, quando é só business as usual.

Está certíssima quando aponta o dedo à contabilidade criativa de governos e empresas quando, numa cimeira para delinear estratégias de descarbonização, não se consegue sequer resolver a questão da dupla contagem das reduções de emissões (um loophole na contabilidade carbónica que vai permitindo a países como o Brasil declarar cortes de emissões muito superiores aos realmente verificados). E, como temos visto na política tradicional, quando as instituições e os actores mainstream não encontram respostas adequadas e satisfatórias, o mais provável é que surjam movimentos mais extremados e prontos a agir, tal como a jovem sueca.

A constante e repetida inacção institucional face à emergência climática que vivemos alimenta personagens como Greta e continuará a contribuir para um extremar de posições, o que dificulta diálogos lógicos e fundamentados e, consequentemente, vai dificultando ainda mais a tomada de decisões e os entendimentos sobre o tema.

Confrontados com um problema pequeno, mas que não é resolvido, uns cidadãos preocupar-se-ão que este escale, enquanto outros o negarão; confrontados com um problema maior, global e de difícil resolução que também não é resolvido, tanto os preocupados como os negacionistas irão redobrar esforços para fazer ver o seu ponto de vista. Até lá, os nossos governantes agradecem esta oportunidade de convívio e passarem uns dias fora do país. Da próxima arranjem é um sítio com campo de golfe – pode ser que assim o Donald apareça.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.